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domingo, 17 de outubro de 2021

Uma manifestação preconceituosa do habitus

    Pierre Bourdieu foi um importante sociólogo contemporâneo que viveu de 1930 a 2002 e teve como principais influências em suas teses os pensadores Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Assim, utilizando formas de pensar que “misturavam” teorias destes sociólogos, Bourdieu apresentou novas perspectivas sobre vários assuntos, dentre eles uma ideia diferente em relação às classes sociais. 

    Para o autor, estas - inseridas na  estrutura social, regida por uma hierarquia de poder - não se diferenciam apenas pelo aspecto econômico, mas também pela cultura e por relações simbólicas (referentes a status, religião, arte e língua). A estes elementos Bourdieu dá o nome de capital que, diferente do conceito apresentado por Marx, não faz referência exclusivamente ao dinheiro, e sim a recursos provenientes de outras naturezas. Diante disso, a posição de um grupo pode ser definida de acordo com a quantidade de capitais por este adquirido.  

    Sob esse mesmo prisma, o sociólogo aponta que estas classes se mantêm e se reproduzem através do habitus, que pode ser definido como uma matriz cultural responsável por instigar a forma de atuação dos indivíduos, os predispondo a certas escolhas e determinados comportamentos. Segundo Bourdieu, isso seria internalizado pela criança durante a convivência em certos círculos sociais e refletido na vida adulta. Ele é caracterizado por ser externo ao indivíduo e, da mesma maneira que o campo - apontado pelo autor como o local em que ocorrem as disputas de poder e a conexão entre agentes e instituições - também é fortemente influenciado pelo contexto histórico. Desse modo, campo e habitus estão intimamente ligados. 

    À vista disso, o campo jurídico não fica de fora dessa relação, e o próprio Bourdieu o indica como o “[...] lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito [...]”. (p. 212, 1989). Em outras palavras, ele pode ser tido como um espaço de disputa entre indivíduos munidos de reconhecimento e técnica para ditar uma visão, supostamente, legítima e justa do mundo social. 

    São em consonância com estes aspectos que o habitus pode ser encontrado se expressando em decisões ou pedidos judiciais. A exemplo disso é possível citar uma liminar do Rio de Janeiro expedida em 2019 a pedido do então prefeito, Marcelo Crivella, sobre a Bienal do Livro que ocorria na cidade do Rio naquele ano. Em seu conteúdo, a Liminar solicitava que: 

“(...) deverão ser recolhidas as obras que tratem do tema do homotransexualismo de maneira desavisada para o público jovem e infantil, ou seja, QUE NÃO ESTEJAM SENDO COMERCIALIZADAS EM EMBALAGEM LACRADA, COM ADVERTÊNCIA DE SEU CONTEÚDO, sob pena de apreensão dos livros e cassação de licença para a feira e demais que sejam cabíveis.”

É evidente e marcante a presença e a tentativa de replicar o habitus característico de ideais religiosos e éticos, que segundo o pedido do Município estavam sendo desrespeitados pelos livros expostos na Bienal. A decisão foi considerada improcedente pelo TJRJ e pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, na “MEDIDA CAUTELAR NA SUSPENSÃO DE LIMINAR 1.248 RIO DE JANEIRO”. Ambos consideraram que além de ferir os direitos de liberdade de expressão, também “(...) se pôs na armadilha sutil da distinção entre proteção e preconceito (...)'', ao impor a advertência somente em relação a esta forma específica de relacionamento, no caso homoafetivo. 

    Dessa maneira, é possível observar que a decisão do STF, em certo ponto, impediu que essa manifestação preconceituosa do habitus, característica de classes conservadoras. Com isso, há lógica no pensamento de Bourdieu quando o autor propõe que o direito apresenta uma certa independência relativa em relação a forças externas e internas que determinam o “espaços dos possíveis”, ou seja, a delimitação do campo jurídico: “[...] o universo das soluções propriamente jurídicas.” (BOURDIEU, p. 211, 1989). 

    Em face do exposto, é perceptível que habitus analisado por Pierre Bourdieu está presente dentro do direito e, na maioria das vezes, é capaz de influenciar decisões jurídicas. Assim, a observação do autor de uma autonomia do campo jurídico, é possível ser uma solução a fim de evitar a interferência e a replicação desses habitus preconceituosos. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.


Ana Beatriz da Silva - Direito - Diurno - 1º Ano 


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