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domingo, 17 de outubro de 2021

ANÁLISE POR MEIO DE BOURDIEU DE SENTENÇAS: DA MORALIDADE PARA A LEGALIDADE

        Para trabalhar com as ideias de Bourdieu será necessário o uso de dois julgados, mais especificamente de suas sentenças: Uma delas expedidas em Franca/SP, 5 de novembro de 2019 pela juíza Adriana Gatto Martins Bonemer no processo número 1020336-41.2019.8.26.0196 e outra de Santa Helena de Goias/GO, 24 de setembro de 2021 pelo juiz Thiago Brandão Boghi no processo número 5170783-41.2021.8.09.0142.

A primeira ideia do sociólogo francês que iluminará as sentenças em questão está relacionada à dinâmica típica do direito que necessita em simultâneo de uma parcela lógica e outra moral. Por isso, tal fato aplica-se na decisão da juíza Adriana que fundamenta moralmente suas críticas iniciais ao movimento feminista como forma de justificar seu ponto de vista, fato que se comprova pelas seguintes passagens: 


As mulheres acharam que para ser livres e iguais precisavam fazer as mesmas coisas que os homens. Subiram aos cargos mais elevados, mas também adquiriram os seus vícios mais baixos.” (p. 1180)

“A verdadeira identidade do movimento feminista, portanto, é de engenharia social e subversão cultural e não de reconhecimento dos direitos civis femininos.” (p. 1182)


Simultaneamente a construção de suas críticas subjetivas, ela intercala o uso de importantes nomes e o máximo do cunho cientificista para apoiar seus preconceitos e sua profunda oposição ao feminismo, como fica evidente ao citar Shulamith Firestone, Camille Paglia, Gabriele Kuby e Joseph Daniel Urwin e principalmente o livro “Feminismo: Perversão e Subversão” da deputada bolsonarista e escritora Ana Caroline Campagnolo

Já a decisão do Juiz Thiago popularizou-se recentemente ao dizer o seguinte: 


“Aliás, no meu tempo de juventude, um homem se relacionar com "putas" era considerado fato de boa reputação, do qual o sujeito que praticava fazia questão de se gabar e contar para todos os amigos, e era enaltecido por isso, tornando-se "o cara da galera". Lamentável como os tempos mudaram! Agora virou ofensa! Tempos sombrios!”


O magistrado, dessa forma, usou de seus preceitos morais acerca da prostituição para guiar sua visão na sentença e fundamentou isso no seu conhecimento da legislação, citando alguns projetos de lei, mas mantendo-se na superficialidade ao tentar misturar a parcela lógica/cientifica (leis) e moral (conceber prostituição como algo nobre e não um subemprego relacionado a periferização social e a desigualdade). Nesse mesmo sentido, aplica-se a ideia de universalização na peça do juiz goiano do Bourdieu: “O efeito de universalização é obtido por meio de vários processos convergentes: o recurso sistemático ao indicativo para enunciar normas” (p. 215). 

Outro fato que conecta as duas sentenças está relacionado às criações e dinâmica de vida dos juízes. Ambos são figuras inseridas em uma sociedade machista, ganham salários muito acima das médias nacionais e estão em consenso com a ideia dominante no Brasil, como afirmou Bourdieu: “A pertença dos magistrados à classe dominante está atestada em toda a parte”. Essas vivências parecidas, bem como a semelhança entre suas decisões, provam a maneira pela qual contextos de vida influenciam fortemente em percepções de mundo, o que reflete nas sentenças. Ambos os magistrados diminuem a importância da mulher, relativizando o machismo no discurso do calouro da Unifran e a subalternização causadora da prostituição. Eles fundamentam a ideia bourdiana de que as decisões dos juízes não se opunham à classe dominante, mas corroboram com ela.

Para finalizar, fica evidente a oposição entre a ideia de juiz para Bourdieu e Durkheim, pois esse segundo representa a figura do juiz como enunciador da lei, mas o filósofo francês evidenciou a maneira pela qual o juiz decide indo além das perspectivas legais, mas fundamentando na lei os próprios impulsos subjetivos. Fato este que ficam visíveis no decorrer dessas sentenças, juízes que vão além das provas e da legalidade, mas tentam impor suas ideias éticas - reflexos da classe dominante - com afinco


GABRIEL RIGONATO - NOTURNO - DIREITO (2º PERÍODO)


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