Pierre
Bourdieu, no capítulo VIII de sua obra “A força do direito: elementos para uma
sociologia do campo jurídico” define o espaço social como uma realidade
multidimensional, formado por campos relativamente autônomos, ainda que sejam subordinados
às relações de produção econômicas. Podemos entender esse pensamento à luz de que
mesmo dentro dos espectros das classes, dominantes ou dominadas, a dinâmica concorrencial
é um elemento permanente das relações sociais. Essa competição entre vontades
se faz presente, permanentemente, sendo palco de disputas viscerais, ainda que
não entendidas de forma explícita no dia-a-dia, trazendo a ideia de recursos
pré-existentes para a diferenciação das partes envolvidas. Nesse sentido, a
retórica pode ser destacada como elemento de distinção clássico para a
percepção dos recursos comumente utilizados.
Para
o autor, o campo econômico é o condicionante, eixo que engendra as disputas de
tantos outros espectros, sejam eles científicos, artísticos, políticos ou
jurídicos, por exemplo, formando o espaço social básico. Ainda nesse contexto,
surge a definição de habitus, que seria uma matriz cultural responsável por
predispor os indivíduos a certas escolhas e comportamentos, sendo matizado pela
condição de classe e pelos diversos campos pelos quais se movimentam esses
indivíduos ao decorrer de suas existências. Um exemplo claro seria a
classificação da empregada doméstica como uma categoria de classe servidora “inferior”,
ideia essa impregnada na mentalidade da sociedade contemporânea de modo
incisivo. Não é só a classe, mas também os outros referenciais do campo que
sedimentam nos indivíduos outras disposições, assim, essa concepção de habitus
perpassa todos os indivíduos e se faz presente na motivação para ação.
Esse
conceito pode ser bem representado pela decisão da juíza Dra. Adriana Gatto
Martins Bonemer ao inocentar Matheus Gabriel Braia, acusado pelo Ministério
Público do Estado de São Paulo por danos morais decorrentes de atitudes
misóginas e de apologia ao estupro em trote universitário da Universidade de
Franca. A magistrada utiliza-se de um discurso fundamento em conceitos do senso
comum, com um viés conservador, lançando mão de obras de autores sem relevância
pertinente que justificassem sua posição. Além disso, deixa evidente sua
opinião pessoal, baseada em experiências próprias de sua vivência e seu círculo
social, desconsiderando a diversidade de realidades dos envolvidos e a natureza
imparcial de suas colocações no julgado. Nesse sentido, prevalece o habitus da
juíza em detrimento da violência sofrida pelas calouras, o que nos faz refletir
sobre qual seria a sustentação de Dra. Adriana caso o réu apresentasse origem
social diversa.
Ademais,
para além do conceito de habitus, podemos perceber no parecer da ação a
presença de outro conceito de Pierre Bourdieu: poder simbólico. Ele se dá
basicamente pela imposição da definição do mundo social mais adequado aos
interesses individuais e particulares. Nesse sentido, a magistrada, ao
questionar o feminismo ou reduzir a revolução sexual a uma busca pela
promiscuidade, coloca sob a figura do homem um capital simbólico inato típico
de uma sociedade patriarcal machista, utilizando essa concepção para
transformá-lo (o réu e o homem comum) em um símbolo de poder que não se atribui
às mulheres. Dessa forma, ofuscado pelos conceitos de habitus e poder
simbólico, o posicionamento da Dra. Adriana evidencia a perpetuação de desigualdades de gênero
e destaca a opressão realizada pelo próprio sistema de justiça que, a priori,
deveria ser imparcial e em defesa dos oprimidos.
(Laredo Silva e Oliveira –
1º Ano – Direito Noturno)
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