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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Uma Sociedade Moderna, mas nem tanto

 

Émile Durkheim (1858-1917) foi um pensador francês que tornou a sociologia uma ciência e é considerado o pai dessa ciência. O sociólogo busca, diferente de outros pensadores, como Auguste Comte, uma analise do objeto de estudo, no caso a sociedade, desprovida de analises subjetivas e ideológicas, a fim de buscar uma verdade científica. Em seu livro, “As regras do método sociológico”, estabelece que “A primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais como coisas”. No entanto, o que seria um fato social?

“É Fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.”, ou seja, é independente do indivíduo e advém do agir do homem em sociedade, de acordo com as regras sociais, a resistência a ele é seguida por uma reação punitiva que busca “restabelecer” a norma, evidenciando o caráter coercitivo do fato social.

Ademais, segundo Durkheim, nas sociedades pré-modernas, todas as funções exercidas pelos indivíduos são generalizadas, fazendo com que todos tenham conhecimento sobre elas. Nessas sociedades predomina a chamada solidariedade mecânica, na qual há a presença de uma consciência coletiva e as diferenças são vistas como uma ameaça, além disso, os que cometem atos criminosos, aqueles que ofendem a consciência coletiva –algum tipo de resistência a um fato social, por exemplo- são julgados e punidos pelos próprios indivíduos, devido ao direito ser algo difuso e as normas estarem inscritas na consciência de cada um. A pena consiste em uma reação passional, que pode ultrapassar o infrator, agravada pelo sentimento de vergonha imposto ao infrator e possui um duplo sentido, na medida em que busca destruir o que faz mal e conservar a sociedade. Dessa forma, os próprios indivíduos agem com o intuito de manter coesão social, agindo passionalmente. Observa-se, então, o direito punitivo, como forma de manter a coesão social.

 Já nas sociedades Modernas, nas quais prevalece a solidariedade orgânica, o direito deixa ser passional e passa a ser algo mais técnico para poder manter a coesão social em uma sociedade de tarefas cada vez mais divididas e interdependentes. Sendo assim, as matérias do direito já não se colocam ao alcance de toda a sociedade, escapando, assim, da consciência coletiva, uma vez que é necessária uma maior especialização e há uma maneira diferente de se compreender o direito, o qual não é mais compreendido como um direito punitivo e sim restitutivo, no qual não se busca apenas punir o infrator, mas sim reinserir o indivíduo para o convívio em sociedade.

No Brasil, embora sejamos uma sociedade moderna, com grande divisão das tarefas e um elevado desenvolvimento do capitalismo, ainda mantemos características de sociedades menos complexas uma vez que segundo uma pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), que estudou casos de linchamento de 1980 até 2006, o Brasil é o país que mais lincha no mundo, com 1179 casos, durante o período, explicitando a persistência de uma justiça repressiva e de uma consciência coletiva que age para manter a coesão social, essa violência pode ser praticada tanto contra criminosos, tanto contra indivíduos que “escapam” as regras sociais, bem como observado recentemente com os ataques à campanha de dia dos pais da natura que tem como participante Thammy Miranda, um homem trans, atacado devido ao fato de um homem trans ser homenageado no dia dos pais, pois para esse grupo de indivíduos, isso foge as normas sociais e poderia levar a uma ameaça à coesão social. Ademais, em relação ao direito, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 726.712 pessoas encarceradas em junho de 2016, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) e não age ou pouco faz para reabilitar os infratores para o convívio em sociedade, tendo em vista que, em 2019, menos de 18,9% dos presos trabalhavam no país e 12,6% estudavam, segundo o Monitor da Violência, uma parceria com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Conclui-se, portanto, que por mais que em alguns aspectos sejamos uma sociedade moderna, nossa sociedade ainda conserva uma mentalidade ligada a solidariedade mecânica, com uma consciência coletiva, desprovida de senso critico, haja vista os movimentos de negação da ciência, e grande passionalidade em relação aos delitos, levando-os a comportarem-se como justiceiros, opondo cidadãos de bem e bandidos, defendendo que “bandido bom é bandido morto”, além de uma marcante intolerância com as minorias e grupos vulneráveis.

Referências:

Pesquisa constata que Brasil é o país que mais lincha no mundo. Grupo de estudo e pesquisa Direito penal e democracia. Disponível em: http://direitopenaledemocracia.ufpa.br/index.php/pesquisa-constata-que-brasil-e-o-pais-que-mais-lincha-no-mundo. Acesso em: 09/08/2020.

JÚNIOR, Antônio. Thammy Miranda estrela Dia dos Pais da Natura e campanha se torna alvo de ataques. Geek Publicitário. 27 de julho de 2020. Disponível em: <https://geekpublicitario.com.br/50648/thammy-miranda-dia-dos-pais-natura/>. Acesso em: 09/08/2020.

Com 726 mil presos, Brasil tem terceira maior população carcerária do mundo. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-12/populacao-carceraria-do-brasil-sobe-de-622202-para-726712-pessoas Acesso em: 09/08/2020.

Menos de 1/5 dos presos trabalha no Brasil; 1 em cada 8 estuda. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/04/26/menos-de-15-do-presos-trabalha-no-brasil-1-em-cada-8-estuda.ghtml. Acesso em: 09/08/2020.

DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social. 2 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. 3 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

 

Rafael de Oliveira Trevisan- 1°ano Direito- Noturno.

 

 

 

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