As
ideias funcionalistas de Émile Durkheim no livro “As Regras do Método Sociológico”
surgem, no final do século XIX, como uma nova via de interpretação da realidade
social e que após mais de um século ainda possibilitam uma análise da sociedade
contemporânea, sobretudo, nomeadamente, a utilização de ideologias para
interpretação da realidade social e a transformação do jurídico de um aspecto
punitivo para um restitutivo. Se em principio Durkheim expôs a falibilidade da
analise social ideológica de Comte e Marx, argumentando que esses analisavam a
sociedade através das ideias para então posteriormente definir o concreto e as
coisas, hoje apresentam-se teorias que não diferem das criticadas.
Elas
são diversas e variam ao gosto do freguês, algumas defendem o fim do Estado
como solução dos problemas, outras exigem o total controle destes e por fim há aquelas
que pregam a sua minimização. Todavia, todas partilham das mesmas características
“religiosas” — como
definiu Russel Kirk no livro “A Política da Prudência”, afirmando que as ideologias
são as novas religiões — são
elas: doutrinas que se apresentam como uma verdade salvadora do mundo sob a
forma de análise social e seus fins são a reforma da sociedade segundo a sua própria
imagem, qualquer verdade que vai além das suas ideias e objetivos são
consideradas falsas, trazem uma utopia em relação ao futuro, sua análise sempre
é pré-concebida de visões do que será o por vir. O que carregam de intrínseco o Anarco capitalismo, Anarquismo, Fascismo e o Neoliberalismo? Carregam consigo a
noção de antes mesmo de fazer a análise social já conhecerem o sentido fim dela.
As ideologias ainda fornecem na contemporaneidade explicações sobre o mundo,
torna-se dessa maneira imprescindível a retomada da análise sociológica de
Durkheim, em que propõe o método de análise das coisas para as ideias e não o contrário.
No
plano do direito, a perspectiva de Durkheim é que a sociedade moderna superaria
o direito punitivo e evidenciaria o direito restitutivo, entretanto, observa-se
hodiernamente que esse juízo não se concretizou. Nas sociedades pré-modernas
caracteriza-se a solidariedade mecânica e os indivíduos estão unidos por conta
de crenças comuns enraizadas na consciência coletiva, toda ação que apresente resistência
a um fato social e resulte em um contexto de anomia social é repreendida pelos próprios
membros da sociedade, justamente pelo fato de a lei estar difusa na consciência
social. Por conta desses fatores o direito penal prepondera e representa,
sobretudo, um duplo sentido da pena, não apenas puni o praticante do delito,
mas o objetivo é que essa punição ecoe para todo o corpo social e sirva de
exemplo quanto mais severa for.
Na
modernidade o tipo de solidariedade altera-se para orgânica, os indivíduos agora
se veem não unidos por crenças comuns, mas por consequência do capitalismo e da
divisão do trabalho estão agora unidos pelas suas funções individuais e
complementariedade delas. Por conta disto o direito tende também a se
remodelar, sua ação agora não é preponderantemente penal e sim restitutiva, tem
o objetivo de restituir os indivíduos as suas funções específicas, sua tarefa é
análoga ao sistema nervoso: regular as funções do corpo. Nesse tipo de
solidariedade se um elemento “estranho” não impacta o conjunto social, ele o
fortalece, antes o que era considerado subversivo a coesão social começa a ser incorporado,
justamente pelas suas possibilidades de desempenho de papeis sociais contributivos
ao equilibro. Essa incorporação parece mais uma resposta a necessidade do
sistema capitalista, que angaria novos papeis sociais para suprir suas
demandas, a exemplificar, a inserção das mulheres no mercado de trabalho (antes
considerado algo perigoso a coesão social) devido ao fato de os homens estarem
na guerra e a aceitação dos negros devido a necessidade de mercado consumidor.
Nota-se
na sociedade contemporânea um conflito dessas duas visões de direito, há uma
parcela da sociedade que reivindica alterações e incorporação de condutas e em
contrapartida existe uma outra que reage tentando barrar essas incorporações
com ações tipicamente do direito punitivo das sociedades pré-modernas. Esse
cenário é evidente ao se constatar a notícia de que um casal gay foi agredido
por sete homens, o motivo não era roubo, apenas violência consta uma das vítimas:
“Depois de me dar um chute na cara, eles riram de nós e começamos a correr. Se
eles quisessem nos roubar, teriam feito isso. Eles só queriam nos
machucar". É a consciência coletiva atuando como tentativa de restringir a
incorporação dessa parcela social.
Concomitantemente,
nesse mesmo aspecto, vemos apresentadores de programas policiais requisitando
leis mais dura a maneira do direito punitivo, pois acreditam que o direito
restitutivo não fornece o duplo sentido de pena, fazendo ecoar de exemplo a
ação punitiva aos outros membros sociais. Em um vídeo o apresentador televisivo
Siqueira Junior tenta justificar o assassinato de um suspeito rendido por um
policial, e isso é dado como “exemplo” de quem contraria a “justiça”, o
suspeito já estava rendido e mesmo assim o policial efetuou o tiro para matar.
Vemos claramente uma característica do direito punitivo: a natureza do crime
por si mesma não explica a pena.
Diante desse cenário desafiador a perspectiva de analise social provida por Émile Durkheim torna-se imprescindível para a interpretação da realidade, tanto para solução da problemática envolvendo as duas faces do direito, bem como para que essa ciência não seja analisada por ideologias que vão justamente contra a verdade sociológica, pois a ideologia conforme afirmou John Adams é a “ciência da idiotice”.
Referencias:
KIRK, Russell. A Política da Prudência. 1º edição, São Paulo, É Realizações Editora, 2013.
Homofobia: Casal gay é agredido por grupo de sete homens na Argentina. Notícias Uol Disponivel em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2019/09/05/casal-gay-e-agredido-por-grupo-de-sete-homens-na-argentina.htm. Acesso em: 09/08/2020
Video de Siqueira Junior: https://www.youtube.com/watch?v=_aOtDCVQVA0&bpctr=1597049627
Otávio Eloy de Oliveira - 1º ano de Direito - Noturno
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