Émile Durkheim (1858-1917),
sociólogo francês, expressa em sua obra “A Divisão do Trabalho Social” (1893) o
que é fato social como “[...] toda maneira de agir fixa ou não,
suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, que é
geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria,
independente das manifestações individuais que possa ter.” Considera-se
portanto que delito é aquilo que fere essa moral, que é popular por definição.
“crime ofende sentimentos que, para um mesmo tipo social, se
encontram em todas as consciências sãs”
A norma penal das sociedades pré-modernas, segundo Durkheim,
consistia na solidariedade mecânica. A consciência era construída coletivamente
e a aplicação da repreensão era difusa. Castigos eram usados como dupla punição
aos que ofendiam o grupo, pois, além do cumprimento da sentença, também feria a
reputação do indivíduo. A justificativa é que esse constrangimento corrigiria
os desviantes e serviria como exemplo aos demais. Evitando, portanto, o
desequilíbrio social ou novos delitos.
Já nas sociedades modernas, a norma penal se baseia na
solidariedade orgânica. As consciências são desenvolvidas por grupos menores e coexistem.
Um indivíduo singular agrega ao grupo e não mais é uma ameaça. Surge assim a
necessidade de um direito baseado na técnica e não na comoção, um direito
restitutivo de caráter funcional e não moral.
Todavia, observando a sociedade contemporânea, houve um
certo retrocesso referente ao método de punição. Um novo hábito coletivo, conhecido
como cultura do “cancelamento” - que consiste em expor erros de organizações ou
personalidades online em busca de mobilização digital -, passou a pressionar
autoridades a exercer sua função ou simplesmente para tornar esses casos de
conhecimento público. A princípio é uma forma de forçar o funcionamento do
direito em situação negligenciadas, como degradação ambiental ou injustiças
sociais. Mas a descomunal proporção que essa prática atingiu tornou a internet
e mídias sociais mais hostis.
Há denuncias de crimes, condutas repulsivas e passíveis de
condenação. Porém, paralela e predominantemente, são acusados sujeitos sem necessidade, por
engano ou por ações retiradas de contexto. No fim das contas, grande parte
dessas exposições não alcançam resultados quando necessário, saindo impunes. Como
consequência da quantidade de informações, os casos graves geralmente caem em esquecimento
enquanto o alcance de apontamentos indevidos são o suficiente para afetar
negativamente a vida do alvo, deixando traumas permanentes.
A cultura do “cancelamento” demonstra até mesmo um caráter
primitivo do ser humano, que de tanto assistir à parcialidade do Sistema, permite
que a indignação prevaleça, procurando aplicar o direito moral através do
linchamento virtual. Promovem a exclusão social e danificam a imagem da pessoa
ou grupo. Os erros nessa solução informal são os mesmos do obsoleto direito mecânico.
O mundo é plural, é globalizado, e não cabe aos internautas apoderar-se das responsabilidades do judiciário e administrativo. Podem usar sua influência e espaço para mobilização de causas ambientais e sociais desde que de forma responsável, sem incitar ódio ou violência a indivíduos. Os pensamentos se divergem. Entretanto, a essa altura, os usuários das redes sociais já se sentem intimidados e adquiriram receio de serem mal interpretados e consequentemente sofrerem linchamento – exatamente como nas sociedades pré-modernas –, o que restringe a liberdade de expressão. Casos esses facilmente evitados se os direitos individuais fossem mais amplamente difundidos – democratizando o acesso a eles e demandando menos agitação em defesa de vulneráveis – e se os processos legais tivessem maior procura e se mostrassem mais coletivamente eficazes.
Lívia Pimenta Clemente Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário