A
França, em meio ao século XVIII, detinha o catolicismo como
religião oficial do Estado e, consequentemente, predominava-se a fé
institucionalizada dentre a sociedade. Entretanto, o protestantismo
já se anunciava em território gálico, adquirindo simpatizantes e
seguidores. A profissão desta, por sua vez, era tímida e comumente
restrita ao âmbito privado, visto a ampla perseguição –
populacional e estatal – perante a grupos classificados como
hereges.
É
nesse contexto que se instaura, em meio ao fanatismo, a trágica
condenação de Jean Calas. Negociante e adepto da doutrina
protestante, como o restante de sua família – exceto por seu
filho Louis, Calas vivenciou o suicídio de um de seus próprios
filhos: Marc-Antoine. A tormenta, no entanto, estaria apenas em seu
começo. Diante do acontecimento, a multidão que se reunira em torno
da residência do negociante, incitando palavras de intolerância e
disseminando rumores que, com base na repetição do povo,
tornaram-se a nova realidade. Jean Calas, sua família e o amigo de
Marc-Antoine, haviam reunido forças – de acordo com o agrupamento
que se encontrava frente a residência – e estrangulado o filho, o
irmão, o amigo. O motivo? Supostamente, Marc planejava abjurar-se da
heresia e converter-se ao catolicismo, o que provocou ojeriza aos
entes familiares.
Nesse
ínterim, os cidadãos de Toulouse, assim como a maioria dos
magistrados responsáveis pelo caso, encontravam-se convencidos, a
partir de rumores, que os envolvidos eram culpados. A pena maior
incidiu sobre Jean Calas, torturado e executado em público.
Objetivo, ao ressaltar essa passagem histórica, exemplificar a
vigência do Fato Social durkheimiano, presente, tanto no período
anterior a existência do sociólogo, quanto no panorama
contemporâneo.
O
fanatismo, embasado numa moral católica deturpada, promoveu a morte
de um homem inocente, mas isso não seria possível sem que a fé
atendesse os critérios inerentes ao Fato Social. A coercitividade,
imposta ao corpo social por dois meios, o Estado – que oficializara
a religião – e a população, que realiza um processo de
autovigilância constante, julgando e condenando os díspares na
própria órbita social. O status de generalidade, visto que a
parcela populacional majoritária professava a religião católica. A
exterioridade, decisiva, impediu com que as normas, uma parcela
minoritária da magistratura e a própria razão fossem inúteis
perante a inércia da convicção.
Ademais,
as multidões - similares a do evento - representam, de acordo com Durkheim, o espaço nítido
para a experimentação dos Fatos Sociais, onde esses se afloram, mas
que seus participantes dificilmente tomam ciência durante sua
ocorrência.
Nas
palavras de François-Marie Arouet (1763, p. 9)
Onde
o perigo e as vantagens são iguais, o espanto cessa e até mesmo a
piedade se enfraquece; porém, se um pai de família inocente é
entregue às mãos do erro, da paixão ou do fanatismo; se a única
defesa do acusado é sua própria virtude; se o único risco que os
árbitros de sua vida correm ao matá-lo é o de cometerem um engano;
se eles podem matar impunemente mediante uma sentença, então o
protesto público se eleva, já que cada um teme por si mesmo,
percebe que ninguém pode julgar sua vida em segurança perante um
tribunal instituído para velar pela vida dos cidadãos e todas as
vozes se reúnem para exigir vingança.
Caio Laprano (1º Ano - Noturno)
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