São tremendamente enaltecidos
os avanços tecnológicos da sociedade moderna. Embora alguns destes sejam
indiscutivelmente benéficos para a ordenação social, não exigem o fato de a
sociedade moderna ainda estar arraigada de preconceitos e entraves sociais, que
Durkheim certamente atribuiria às sociedades tradicionais. Um destes aspectos é
indubitavelmente o fator da punição como modo de marcar a consciência coletiva,
a fim de extirpar ou reduzir a ocorrência de um determinado “mal social”.
Na obra “Crônica de uma morte anunciada”, de Gabriel
García Marquez, a maneira pela qual é atribuída a punição ao personagem
Santiago Nasar goza deste aspecto supracitado. Para uma análise mais Durkheimeniana
do texto, pode-se partir de que para aquela sociedade o comportamento sexual de
Nasar, bem como o da jovem eram considerados dissonantes do “normal”. Assim, não
coube outra medida senão uma punição para ambos que ultrapassasse o impacto
social do ato em si, como forma de marcar emblematicamente a consciência coletiva
daquela comunidade a fim de que fato semelhante não viesse a ocorrer novamente.
Outro ponto da obra que pode ser visto sob a ótica do
ilustre sociólogo, consiste na maneira com a qual a sociedade enxerga a situação.
Embora grande parte dos indivíduos da vila possuíssem apreço por Nasar, nenhum
deles impediu sua execução. Isto configura um fato social, cuja causa se funda
sobre outro fator elencado pelos escritos de Durkheim. Para ele, a punição
neste caso não poderia ser evitada pela razão de que o “delito” cometido era reprovado
por toda coletividade, ou seja, a justiça possuía caráter difuso na sociedade.
Assim, a pena, não obstante não fosse explicada pelo “crime” em si, deveria ser
aplicada.
Apesar de ser um retrato da sociedade colombiana de meados
do século XX, trata-se já de uma sociedade considerada por Durkheim como
moderna. Este aspecto, determinado na obra “A divisão social do trabalho” como
marcante das sociedades tradicionais, ao persistir nas sociedades modernas
evidencia determinada falha nas constatações do pensador francês. A persistência
dos dogmas nas sociedades industriais não deveria ocorrer, de acordo com a
teoria tradicional de Durkheim. Todavia, pode-se integrar a corrente
funcionalista com preceitos de outros teóricos.
Nietzsche, na obra “Assim falava Zaratustra”, fomenta uma
ideia que pode servir para explicar a forma com a qual a punição é empregada
para marcar a consciência coletiva. Esta ideia se faz presente no trecho que discorre
sobre “O pálido delinquente”, a partir da frase: “Dantes era um mal a dúvida e
a vontade próprias, então o enfermo torna-se herege e bruxa; como herege e bruxa
padecia e fazia padecer”. O filósofo alemão utiliza desta passagem para explicar
que a pena que seria aplicada ao “pálido delinquente” se traduz numa continuidade
histórica, inerente à sociedade humana, que consiste na extirpação do mal, da
enfermidade social.
Ao citar os “crimes” que eram punidos no medievo
pela Inquisição Católica, ilustra a forma com a qual sempre ocorreu na sociedade,
independente do desenvolvimento histórico, há este sentimento de suprimir
aquilo que foge a normalidade e ofende a consciência coletiva. Logo, permite-se
compreender que mesmo que a sociedade moderna goze dos mais diversos avanços
tecnológicos, econômicos e inclusive alguns sociais de suma importância, a
persistência de aspectos tradicionais que são inerentes à sociedade humana
jamais deixarão de existir. Apesar disso, as ideias de Durkheim, mesmo
equivocadas em relação ao progresso da sociedade, são imprescindíveis para a
compreensão da forma como a pena é aplicada na modernidade e seu efeito na consciência
coletiva.
Luiz Felipe de Aragão Passsos - 1º Ano de Direito/Diurno.
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