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domingo, 5 de maio de 2019

A punição e a consciência coletiva moderna


          São tremendamente enaltecidos os avanços tecnológicos da sociedade moderna. Embora alguns destes sejam indiscutivelmente benéficos para a ordenação social, não exigem o fato de a sociedade moderna ainda estar arraigada de preconceitos e entraves sociais, que Durkheim certamente atribuiria às sociedades tradicionais. Um destes aspectos é indubitavelmente o fator da punição como modo de marcar a consciência coletiva, a fim de extirpar ou reduzir a ocorrência de um determinado “mal social”.
            Na obra “Crônica de uma morte anunciada”, de Gabriel García Marquez, a maneira pela qual é atribuída a punição ao personagem Santiago Nasar goza deste aspecto supracitado. Para uma análise mais Durkheimeniana do texto, pode-se partir de que para aquela sociedade o comportamento sexual de Nasar, bem como o da jovem eram considerados dissonantes do “normal”. Assim, não coube outra medida senão uma punição para ambos que ultrapassasse o impacto social do ato em si, como forma de marcar emblematicamente a consciência coletiva daquela comunidade a fim de que fato semelhante não viesse a ocorrer novamente.
            Outro ponto da obra que pode ser visto sob a ótica do ilustre sociólogo, consiste na maneira com a qual a sociedade enxerga a situação. Embora grande parte dos indivíduos da vila possuíssem apreço por Nasar, nenhum deles impediu sua execução. Isto configura um fato social, cuja causa se funda sobre outro fator elencado pelos escritos de Durkheim. Para ele, a punição neste caso não poderia ser evitada pela razão de que o “delito” cometido era reprovado por toda coletividade, ou seja, a justiça possuía caráter difuso na sociedade. Assim, a pena, não obstante não fosse explicada pelo “crime” em si, deveria ser aplicada.
            Apesar de ser um retrato da sociedade colombiana de meados do século XX, trata-se já de uma sociedade considerada por Durkheim como moderna. Este aspecto, determinado na obra “A divisão social do trabalho” como marcante das sociedades tradicionais, ao persistir nas sociedades modernas evidencia determinada falha nas constatações do pensador francês. A persistência dos dogmas nas sociedades industriais não deveria ocorrer, de acordo com a teoria tradicional de Durkheim. Todavia, pode-se integrar a corrente funcionalista com preceitos de outros teóricos.
            Nietzsche, na obra “Assim falava Zaratustra”, fomenta uma ideia que pode servir para explicar a forma com a qual a punição é empregada para marcar a consciência coletiva. Esta ideia se faz presente no trecho que discorre sobre “O pálido delinquente”, a partir da frase: “Dantes era um mal a dúvida e a vontade próprias, então o enfermo torna-se herege e bruxa; como herege e bruxa padecia e fazia padecer”. O filósofo alemão utiliza desta passagem para explicar que a pena que seria aplicada ao “pálido delinquente” se traduz numa continuidade histórica, inerente à sociedade humana, que consiste na extirpação do mal, da enfermidade social.
 Ao citar os “crimes” que eram punidos no medievo pela Inquisição Católica, ilustra a forma com a qual sempre ocorreu na sociedade, independente do desenvolvimento histórico, há este sentimento de suprimir aquilo que foge a normalidade e ofende a consciência coletiva. Logo, permite-se compreender que mesmo que a sociedade moderna goze dos mais diversos avanços tecnológicos, econômicos e inclusive alguns sociais de suma importância, a persistência de aspectos tradicionais que são inerentes à sociedade humana jamais deixarão de existir. Apesar disso, as ideias de Durkheim, mesmo equivocadas em relação ao progresso da sociedade, são imprescindíveis para a compreensão da forma como a pena é aplicada na modernidade e seu efeito na consciência coletiva.

Luiz Felipe de Aragão Passsos - 1º Ano de Direito/Diurno.

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