Direito Penal: Vingança, Reparação e Educação
Quando o ser humano deixou de ser nômade e passou a organizar-se em comunidades, as relações interpessoais tornaram-se progressivamente mais complexas. Aos instintos de proteção da própria integridade física e da busca por alimentos, somaram-se sentimentos como orgulho, honra e vergonha. Além disso, o surgimento do conceito de propriedade privada trouxe o potencial de mais conflitos entre os indivíduos, levando à necessidade da organização de formas de governo para mediação das discórdias.
O Direito surgiu então como forma de regular as relações sociais entre as pessoas e também como forma de regular a relação das pessoas com o Estado. Dentre os aspectos a serem regulados, as formas de fazer cumprir as regras tomam particular importância.
No mundo pré-moderno, os conflitos eram resolvidos individualmente, através da força física. O sistema de penas era punitivo, baseado na vingança: se me fez mal, deve pagar (na acepção física do termo). Esse costume levava ao estado de guerra constante, medo constante, à barbárie. Podemos avaliar que o medo do castigo físico dissuadia uma pessoa de fazer mal a outra, prevalecendo a lei do (fisicamente) mais forte.
Com o desenvolvimento das sociedade e do Direito Penal, houve dissociação entre o crime e a pena a ele aplicada. A máxima "olho por olho, dente por dente" dá lugar à gradação de penas conforme a gravidade do crime, mas sem necessariamente apenar o criminoso com o mesmo mal que causara.
Talvez o aspecto meramente punitivo das penas privativas de liberdade - as mais comuns na sociedade moderna - tenha como fundamento a dissuasão de novos crimes, tanto pela reincidência do apenado, quanto pela ação de outros a quem sirva de exemplo. Existe um certo fator pedagógico que atinge a população geral ao ver criminosos privados de sua liberdade.
Claro que casos em que há impunidade ainda desencadeiam nas sociedades modernas reações primitivas. Casos de linchamentos de estupradores, por exemplo, envolvem os mais primitivos sentimentos de vingança, aflorados quando da percepção de impunidade decorrente da morosidade e frequente ineficácia da Justiça em aplicar o Direito Penal.
Existe necessidade social de punição de crimes para preservar a própria sociedade. A simples restituição do bem furtado ou a mera reconstrução do próprio destruído, por exemplo, não teriam caráter pedagógico suficiente. Traçando um paralelo com os crimes de peculato, a pena de mera devolução de quantias roubadas do erário público seriam na verdade um estímulo à tentativa de novo desvio de dinheiro, desta vez com maior esmero, com vistas a não ser descoberto.
Certamente, numa sociedade ideal, as penas deveriam ter caráter estritamente pedagógico. Ensinar ao cidadão desviado qual o certo a ser feito e a importância disso para si e para outrem, no entanto, é tão necessário quanto ineficaz no combate ao crime.
Individualmente já sabemos, conforme a consciência coletiva nos dotou desse conhecimento, que matar, roubar e estuprar são crimes. É ingenuidade achar que uma atitude meramente educativa do poder público possa dissuadir o criminoso de reincidir. Ou ele já tem essa consciência e isso pode ser levado em conta em seu julgamento (como em casos de crimes culposos), ou a falta dessa consciência deverá ser suprida pelo medo de ter seus direitos fundamentais cerceados em decorrência do crime.
Senão voltamos à barbárie.
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