Se o senhor não tá lembrado
Dá licença de conta
Dá licença de conta
No início do
ano de 2004, iniciou-se a ocupação do terreno que mais tarde seria conhecido
como Pinheirinho; neste episódio inicial, cerca de 300 famílias estabeleceram
residência no lote abandonado pertencente à massa falida da empresa Selecta,
propriedade do empresário Naji Nahas, conhecido como o responsável pela quebra
da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989.
Foi aqui seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construímos nossa maloca
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construímos nossa maloca
Ao longo de oito anos, em meio a
disputas jurídicas, a comunidade consolidava-se e ganhava vida; estima-se que,
em seu ápice, o bairro abrigava entre 6 e 9 mil moradores, em uma área que
contava com escolas, igrejas, estabelecimentos comerciais e associação de
moradores.
Mas um dia, nós nem pode se alembrá
Veio os homis c'as ferramentas
O dono mandô derrubá
No entanto, a
questão da propriedade da terra e a ameaça de desocupação assombravam o
cotidiano do bairro, e esta ameaça concretizou-se quando a Juíza Márcia
Loureiro ordenou a reintegração de posse através de uma liminar. Esta atitude
condiz com uma perspectiva hegeliana acerca do Direito, em que este é visto como
a vontade racional do homem, instrumento de auxílio e reflexo da evolução
humana e pressuposto para a felicidade. Nas próprias palavras de Hegel, “o
sistema do direito é o império da liberdade realizada”.
Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
Os homis tá cá razão
Nós arranja outro lugar
Mas em cima eu falei:
Os homis tá cá razão
Nós arranja outro lugar
No entanto, a própria decisão da
juíza já explicita que esta liberdade está intimamente ligada com a
propriedade. O direito à propriedade de um especulador imobiliário e o direito à
moradia, necessário à sobrevivência e dignidade da pessoa humana, são postos em
patamares iguais; no entanto, o primeiro acaba por sobressair-se em relação ao
outro.
Ao igualar
estes dois direitos no processo da tomada de decisão, a juíza ainda supõe, como
supôs Hegel em sua teoria, que o Direito supera as particularidades e privilégios.
Porém, assim como aponta Marx em sua crítica, esta noção é puramente ilusória e
pertencente ao plano abstrato. O Direito reflete puramente as relações
materiais e é instrumento de dominação da classe proprietária, que o utilizará
para favorecer-se.
Se o caso
fosse julgado através do pensamento de Marx, a justiça deveria, então, considerar
todo o processo histórico que levou à situação do déficit habitacional e da
especulação imobiliária; considerar a marginalidade imposta a esse grupo de
indivíduos sem teto, tanto em relação à participação na vida social, quanto em
relação à construção do sistema de lei e do acesso ao Direito em si.
Dessa forma, Pinheirinho é perfeita ilustração da visão
marxista sobre o sistema. Uma justiça que desdobra-se e utiliza de artimanhas
legais para defender o patrimônio de um proprietário acaba por ordenar a
expulsão de milhares de pessoas, em uma ação violenta que deixou mortos,
feridos e desabrigados. Como bem ilustra Gilberto Gil, “Nos barracos da cidade/
Ninguém mais tem ilusão/ No poder da autoridade/ De tomar a decisão/ E o poder
da autoridade, se pode, não faz questão/ (...) O governador promete/ Mas o
sistema diz não/ Os lucros são muito grandes/ E ninguém quer abrir mão/ Mesmo
uma pequena parte/ Já seria a solução/ Mas a usura dessa gente/ Já virou um
aleijão”.
Lisa Abdala Garcia - 1º Ano Direito (Noturno)
Nenhum comentário:
Postar um comentário