Eu tenho uma casa.
Um piso, um teto, tinta nas paredes
Presentes no Natal.
Eu tenho um quarto.
Nasci com essa fração enquanto crianças mais novas que eu recebiam 1/10, 1/20, 1/100 de uma mãe, de uma casa, de uma família.
Eu tenho uma janela
E dela, eu vejo o mundo de cima
E mais amplo do que muita gente vai ver em toda a sua vida.
E eu tenho vizinhos
E meus vizinhos tem um girassol.
Posso vê-lo pela janela do meu quarto
Quase passando por cima do muro
Buscando a iluminação
(É uma planta solitária)
Um dia, o girassol pulou o muro
E se deparou com o meu quintal:
Um sem-fim de terra fofa
Sem um propósito final
(Piscina ou quarto de hóspedes? Meus pais não conseguiam decidir e, com o passar do tempo, ele só ficou ali)
Você já viu um girassol?
Seu centro tem mil sementes
Que se viram pro Sol junto a ele
E, um belo dia, se viraram pro meu jardim - acho que ele as despejou para fazerem companhia a mim
De fato, depois de alguns dias
Da janela do meu quarto
Pude ver vários brotinhos
E, apresar da minha empolgação, parecia ser a única que lhes dava atenção
Certo tempo se passou
E meus vizinhos de quintal
Me vieram com um presente
(Que eu ganhava no Natal)
Num vasinho enfeitado com laço
Uma mudinha de girassol
- claro, eles não tinham como saber do seu intruso no meu quintal -
Agradeci fervorosamente
E também o fizeram meus pais
E o levei para meu parapeito
Mas minha mãe veio logo atrás
"Insustentável!" ela bradava
E eu tive que concordar
"Insustentável", pensei. "Como um vaso tão pequeno pode ser o seu lar?"
E o levei para o jardim
Junto com as outras mudas
Agora perfeitamente visíveis
Embora eu parecesse ser a única a vê-las
E via-as crescendo fortes
E o silêncio me encorajou
Toda flor solitária que eu via
Se pequena, vinha comigo
Se não, vinham seus frutos, suas folhas ou sementes
Trazia a próxima geração ao jardim
Que crescia a cada dia
(Embora, por muito tempo, parecesse que só eu via)
Oito anos mais tarde
Não dava pra ignora-lo
Amasse-o ou odiasse-o, ele cresceu de tal maneira
Que a vizinhança inteira
Tinha opinião formada
Para alguns, era orgulho
Para outros, incomodo
("Muitos insetos", eles diziam
"Mas gosto de flores, sim" acrescentavam)
Como foi para meus pais
Que protestaram levemente
E logo foram dissuadidos
Não valia a batalha tardia, concluíram
E se deram por vencidos
Ou assim eu deduzira
Um dia, chegando em casa
Sem qualquer preparação
Me deparo com uma escavadeira
Abrindo caminho para os fundos
Para as flores
Para o meu mundo
E, sem hesitação
Arrancou pela raiz
Anos de dedicação
Minha mãe veio ao meu encontro
"O bairro achou melhor", e parecia constrangida
"Por que não me avisaram?"
"Achamos que entenderia
Não é de todo ruim", ela tenta me animar
"Estão tirando de forma a plantar em outro lugar"
"Onde?" perguntei
"Isso ainda não sei"
Me abaixei para uma pétala
E, olhando para o jardim
De anos de construção
Ser destruído sem dó
Um sorriso me surgiu
"É de todo ruim
Vocês a arrancaram sem dó"
Silêncio
"Mas nós florescemos em qualquer lugar"
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