Cotas nas universidades públicas: uma
reflexão com perspectiva baconiana
Embora
a vigência da Lei de Cotas (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, disponível
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm)
complete cerca de 4 anos e o STF - Supremo Tribunal Federal, em abril de 2012,
tenha fixado um novo precedente, considerando constitucionais as cotas nas
universidades (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=278000),
ainda subsiste polêmica acerca da reserva de vagas nas universidades públicas
para egressos da educação básica pública, pretos, pardos, indígenas, entre
outros grupos.
Muitos
dos argumentos contrários a esta importante política pública de inclusão social
alicerçam-se em mitos construídos no senso comum ou, segundo conceito de
Francis Bacon, nos ídolos, que foram definidos como falsas percepções sobre o
mundo. Em redes sociais, botequins e até mesmo no meio acadêmico, vocifera-se
contra o sistema de reserva de vagas, partindo-se de exemplos isolados de
pessoas desfavorecidas que obtiveram sucesso sem a necessidade de proteção
estatal específica, alegando-se afronta ao princípio da isonomia e possível
comprometimento da qualidade da educação superior brasileira com o ingresso de
alunos supostamente menos preparados.
Para
refutar a argumentação que considera situações específicas de ascensão social
de indivíduos desfavorecidos e não beneficiados por políticas públicas, pode-se
evocar o seguinte excerto da obra Novum Organum, do pensador inglês
supracitado: “o intelecto humano tem o erro peculiar e perpétuo de mais se
mover e excitar pelos eventos afirmativos que pelos negativos, quando deveria
rigorosa e sistematicamente atentar para ambos”. Ademais, o referido filósofo
afirmava que generalizações calcadas nas sensações e na observação de fatos
particulares poderiam ser consideradas abstratas e inúteis. Ora, realmente não
é razoável menosprezar a necessidade das ações afirmativas, com base em casos
de sucesso, como o do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, que é negro e de
origem humilde, pois, no Brasil, prepondera a exclusão social, especialmente
contra os pretos e pardos, o que pode ser exemplificado com o fato de a
população carcerária brasileira constituir-se por 60,8% de negros (dado de
2012, disponível em http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/noticias/junho/mapa-do-encarceramento-aponta-maioria-da-populacao-carceraria-e-negra-1).
A
alegação de afronta ao princípio da isonomia quando da instituição da política
de ações afirmativas para ingresso na educação superior pode ser rechaçada pela
lição da Professora Carmen Lúcia Antunes Rocha, citada por Barbosa (2003,
disponível em www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/21672-21673-1-PB.pdf):
“O conteúdo, de origem bíblica, de tratar igualmente os iguais e desigualmente
os desiguais na medida em que se desigualam – sempre lembrado como sendo a
essência do princípio da igualdade jurídica – encontrou uma nova interpretação
no acolhimento jurisprudencial concernente à ação afirmativa. Segundo essa nova
interpretação, a desigualdade que se pretende e se necessita impedir para se
realizar a igualdade no Direito não pode ser extraída, ou cogitada, apenas no
momento em que se tomam as pessoas postas em dada situação submetida ao
Direito, senão que se deve atentar para a igualdade jurídica a partir da
consideração de toda a dinâmica histórica da sociedade, para que se focalize e
se retrate não apenas um instante da vida social, aprisionada estaticamente e
desvinculada da realidade histórica de determinado grupo social”.
No
tocante à exploração histórica dos negros no Brasil, os quais foram alijados da
educação formal, em especial a superior, situação esta que justifica, sim, a
implementação de políticas de reserva de vagas nas universidades públicas,
recomenda-se a leitura do artigo Movimento Negro e Educação, redigido pelos professores
Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
(disponível em www.acaoeducativa.org.br/fdh/?p=1719).
Esta professora, referência na temática de ações afirmativas, organizou,
juntamente com o professor Valter Roberto Silvério, também professor da
Universidade Federal de São Carlos, uma coletânea de textos sobre o tema
“Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça
econômica”, que pode ser acessada no seguinte endereço eletrônico: http://www.publicacoes.inep.gov.br/portal/download/260.
Já a
infundada preocupação acerca da redução da qualidade da educação superior
brasileira com o ingresso dos alunos beneficiados pelas cotas foi refutada por
diversos estudos que comprovaram não haver correlação entre baixo desempenho
acadêmico e as diversas modalidades de acesso à universidade. Para corroborar
tal afirmação, apresenta-se o link para visualização de depoimento do
professor Pedro Ferreira Filho, que já foi Coordenador do Vestibular da
Universidade Federal de São Carlos e ratifica que improcede a atribuição de diferença
de desempenho entre estudantes cotistas e aqueles ingressantes pela modalidade
de ampla concorrência: https://www.youtube.com/watch?v=PdZUBk83xTU.
Cumpre compartilhar também o artigo do pesquisador da Universidade de Brasília,
Jacques Velloso, o qual concluiu que não há “diferenças sistemáticas de
rendimento a favor dos não-cotistas, contrariando previsões de críticos do
sistema de cotas, no sentido de que este provocaria uma queda no padrão
acadêmico da universidade” (http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/240/253).
Por
fim, salienta-se a relevância das políticas de ações afirmativas para
democratizar o acesso à educação superior, mitigando o contexto de exclusão
social evidente no Brasil, bem como para fomentar o desenvolvimento brasileiro
no cenário internacional, considerando que, segundo Bacon, conhecimento é
poder.
Marcos Paulo Freire - Direito/Noturno
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