A Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Saúde em 2004, tinha como principal objetivo a
autorização da interrupção da gestação de feto anencéfalo, além evidenciar que
essa medida não estaria em conflito com o Código Penal, haja vista que a
gestação com essa má formação congênita do feto causa morte em todos os casos,
e quando muito, a criança sobrevive alguns minutos ou dias.
Sob a compreensão de
Bourdieu em “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo
jurídico”, é possível traçar uma relação entre a sua interpretação acerca do
direito e o julgado da ADPF 54.
O autor trata em seu texto do Poder Simbólico,
afirmando ser toda força não materializada concretamente que se exerce por meio
de um poder de distinção, seja de um ator social, de uma instituição ou de um
grupo social e o direito é parte desse Poder. No tocante a este ponto, Bourdieu
difere tanto de Kelsen, quanto de Marx; do primeiro pois acredita que o
direito, embora possua certa autonomia não seja isento de pressões externas
como o autor austríaco assevera, e do segundo, pois não o define apenas como um
instrumento de poder da classe que se impõe. Deste modo, o direito recebe
também influências sociais.
Em relação ao Campo, este
é definido pelo autor como um espaço real ou imaginário, distinguindo-se por
códigos, espaços, valores, linguagens, e habitus que são as disposições
incorporadas pelos indivíduos de acordo com o nascimento, a instituição de
ensino e etc. que mantém o direito no Espaço dos Possíveis. Sendo assim,
Bourdieu afirma que o direito possui um campo jurídico sendo ele nem dependente
nem independente, existindo uma lógica interna que o determina. De um lado há
forças específicas e de outro uma lógica interna das obras jurídicas.
Quanto ao Espaço dos
Possíveis, trata-se da reunião de uma lógica positiva da ciência, ou seja, da
razão; e da logica normativa da moral, isto é, está relacionada a um certo
período histórico, a uma época. É neste âmbito do Espaço Dos Possíveis que se
insere a questão do aborto dos anencéfalos tratado na ADPF 54, uma vez que é
dentro deste espaço que irão ocorrer as mudanças, sendo promovidas pelos
magistrados, os operadores do direito, os quais, por meio de seu poder
simbólico vão intervir e decidir acerca desse e diversos outros assuntos.
Neste julgado, o direito foi
o fator decisivo para definir se a interrupção da gestação em casos de feto anencefálico
seria crime ou não, enquadrado dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II do
Código Penal. Essa decisão só foi deferida e possível em decorrência da ampliação do
Espaço dos Possíveis, haja vista que quando o Código Penal de 1940 foi estabelecido,
não previa este tipo de aborto. Contudo, em razão de ser terminantemente regido
pela lógica da moral, não foram todos os tipos de abortos permitidos, evidenciando
que ainda é muito restrito o livre arbítrio das mulheres nesse quesito, pois
apesar de o Estado ser laico, a moral cristã que se enquadra no que Bourdieu
vai denominar de ethos, é ainda muito influente na regulação do sistema
jurídico. Desta maneira, fica evidente que embora o Espaço dos Possíveis tenha
se ampliando, ainda permanece de certo modo restrito, em decorrência da moral
social. Entretanto, esse tipo de decisão representa um avanço, mesmo se enquadrando
em uma emancipação regulada.
fonte:http://blogs.estadao.com.br/tragico-e-comico/files/2012/04/jt12_stf_igreja.jpg
Ariane do Nascimento Sousa
1º Ano- Direito Noturno
Aula 3.1
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