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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Adpf 54 e a base moral

Hans Kelsen em sua obra “teoria pura do Direito” teoriza a questão da relação da moral e do Direito nas sociedades, de maneira que conclui que o Direito não é, necessariamente, aquilo que está conforme uma moral de grupos sociais ao qual está vinculado. Ao passo que, no entanto, a moral se estabelece nos grupos humanos com conformidade ao que se entende por ser justo e adequado ao grupo que domina tanto  economicamente como politicamente uma determinada sociedade.  O sociólogo Pierre Bourdieu vai afirmar, por sua vez, uma posição divergente em que coloca a moral numa espécie de dialética, que ele denomina de ethos compartilhado do grupo dominante, grupo este que controla o poder jurídico de seu ambiente. Importante notar que o ponto central da divergência nas ideias de Kelsen e Bourdieu não é o simples fato de Kelsen argumentar que a moral está  simplesmente desvinculada do direito, pois ele mesmo afirma que tanto este quanto aquela definem e são definidas ambas por conduta interna e externa, havendo um tipo de relação, mas sim porque Bourdieu, diferentemente de Kelsen, entende uma espécie de relação de dialética imediata entre os dois, ao passo que Kelsen enxerga a priori uma relação mediata, futura
  O Caso do Arguimento de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, que trata sobre a declaração de constitucionalidade do pedido de descriminalização de aborto de fetos anencéfalos, é uma questão não somente jurídica, mas por sua polêmica e forte interesse social, também abre caminhos para o debate científico, como a opinião da medicina e se sujeita as discussões informais. O Poder simbólico, conceito de Bourdieu, se relaciona muito bem com a questão da decisão sobre o aborto de anencéfalos estar submetida aos guardiões da constituição, o supremo tribunal Federal (STF). Este tribunal como símbolo máximo da força e conhecimento jurídico, se notabiliza no objeto das discussões e posicionamentos que dará no que Bourdieu chamou de espaço dos possíveis, na medida em que a discussão que se abre para uma determinada decisão jurídica também é uma questão moral, um locus em que a expressão  intelectual dos ministros se fecha delimitando, na polêmica abordada, um direcionamento em que se é permeável a um ponto limite, tentando não corromper esse espaço dos possíveis, na medida em que esta existe exatamente para manter o caráter moral e conservador daqueles que representam uma elite. Ao abordar a questão do aborto, o STF se limita a dar seu parecer na fronteira do aborto de anencéfalos, e isso se constitui num ethos dos grupos que dominam a nação. E outros tipos de aborto? É uma questão que mexe não apenas com o poder judiciário, pois promove o questionamento de vários outros setores da população bem como das ciências humanas e biológicas.
 O Supremo Tribunal Federal ao dar seu parecer contempla uma dificuldade cada vez mais explícita no ambiente jurídico, que se resume na produção de um direito verdadeiramente emancipatório, na medida em que se prende a uma opinião pública de uma elite que faz forte oposição à amplificação de discursos e discussões sociais. Bourdieu entende que o Direito deve se distanciar de formalismo e do instrumentalismo conforme estes representam, respectivamente, um distanciamento das lutas sócias populares e uma aparatização pela classe dominante do Direito positivado. A principal dificuldade no manejo desse Poder simbólico é democraticamente satisfazer o sistema em que se enquadra o ordenamento jurídico, sem suprimir direitos fundamentais, tais como o direito a vida, a intimidade e a liberdade, e que, no entanto, por oferecer uma forte gama de conflitos entre estes  princípios e os fatos julgados, tais questões estão no núcleo central de problemas que o STF carrega como fardo a resolver. O entendimento do STF se dá na direção da descriminalização deste tipo de aborto, sendo possível a concretização de tal fato, pois, moralmente e na norma positivada, há um caminho legítimo pela tomada da decisão feita, que dão suporte pra sua realização material, com razoável aceitabilidade da opinião do grupo dominante, e mostrando cada vez mais que o poder simbólico se caracteriza como o guardião da razão social ao estabelecer um parâmetro, uma medida que se deve seguir.
                                                                                                               Rafael Cyrillo Abbud
                                                                                                               Noturno

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