Para
Pierre Bourdieu, o campo jurídico é dotado de uma autonomia
relativa. Isto porque, apesar do campo jurídico se distinguir por engendrar as relações de poder, o
direito não é uma ciência apartada da realidade e que não se
relaciona com outras ciências.
Essa autonomia relativa do campo jurídico fica evidente no caso julgado
na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, a qual
trata da interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Sobre essa
questão, a ADPF declara a inconstitucionalidade dos artigos 124,
126, 128, I e II, do Código Penal, interpretados a ponto de abranger
a antecipação terapêutica do parto de feto anencéfalo.
No
caso julgado nota-se a relação entre o campo jurídico –
julgamento em si – e o campo científico – laudos médicos
provando a anencefalia. Nesse ponto, mostrando que o direito não é
uma ciência isolada, o entendimento de Bourdieu acerca do direito – que pauta sua crítica a Kelsen e seus seguidores – é ressaltado.
Segundo
Bourdieu, o direito atua dentro do chamado espaço dos possíveis.
Tal espaço corresponde às possibilidades do direito, as quais são
limitadas ou ampliadas pela razão e pela moral. Quanto a isso, a
descriminalização do aborto de anencéfalos indica uma ampliação
do espaço dos possíveis a partir da ciência, já que, atualmente, “no
caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de
certeza igual a 100%”. Para a Dra. Maria
José Fontelas Rosado Nunes (professora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, pesquisadora do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e
diretora da Organização Não-Governamental Católicas pelo Direito
de Decidir), a sociedade brasileira já chegou num consenso ético de
que cabe à mulher decidir quanto a gestação e ao próprio corpo.
Mas, por outro lado, a restrição aos fetos anencéfalos ocorre,
justamente, por conta da moral do tempo presente, ainda influenciada
por preceitos religiosos.
Apesar
de reconhecer a relação do direito com outras ciências, Bourdieu salienta a autonomia do campo jurídico. Na ADPF, por exemplo, o eixo da
determinação corresponde ao direito definindo o que é vida. Sendo
assim, a própria estrutura jurídica condiciona os termos da
discussão, evidenciando o poder simbólico do direito, sua autonomia
e, até mesmo, sua superioridade.
Isabela
Ferreira Sastre
1º
ano Direito diurno
Sociologia
do Direito – aula 3.1
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