A religião e o senso comum
Na
constelação de diversas crenças que fazem parte da opinião
pública, existem aquelas que são dotadas de tamanha força, seja
por ser parte integrante da classe dominante, seja por simplesmente
fazer parte do senso comum, que conseguem submeter toda a população
às determinações dessas crenças. A crença cristã e seus
valores, por exemplo, submete o Estado laico e os cidadãos que não
fazem parte dessa religião aos seus valores pela enorme força de
seu poder simbólico. De certa forma, conviver em um Estado em que os
políticos eleitos representam não necessariamente as convicções e
desejos políticos da minoria e sim o da maioria acaba fazendo parte
da vida democrática. Essa condição se agrava ao perceber a
amplitude do enraizamento dos ensinamentos cristãos, que atinge
também a postura dos funcionários e representantes do poder
público.
O
problema do moralismo cristão e suas consequências na esfera
pública que afeta os que não compactuam com essa religião compõe
um cenário de difícil perspectiva de conciliação pela própria
natureza da gestão democrática que permite em certos níveis,
levemente atenuados pela constituição e sua aplicação pelos
tribunais superiores, a institucionalizada opressão da minoria pela
maioria. Discutir as implicações da doutrina cristã como problema
quando para a maior parte da população ela não é verdadeiramente
um problema acaba por dificultar ainda mais a emancipação de grupos
excluídos por esse ensinamentos.
A
ADPF 54 mostra um caso em que a maioria venceu. Em censo de 2014 foi
revelado que quase 80% da população é contra o aborto. E acredito
que diversos entrevistados, assim como o ministro, não se reportaram
diretamente à religião ao escolher o “não”, mas sim à valores
morais relacionados ao respeito a vida. Essa é imensa força
simbólica do moralismo cristão, que se difunde não apenas aos
seguidores de seus cultos. Esse caso revela a necessidade de se
discutir a democracia e os limites da vontade da maioria.
Bourdieu
fala da necessidade de um Direito que seja condizente com as
perspectivas da realidade social mas a identificação de um
“problema social” se torna seletiva ao colocar-se um “filtro”
religioso. Além disso, o espaço político, nas palavras de Safatle,
deve “não ser marcado pela afirmação da diferença, mas pela
indiferença absoluta em relação a qualquer exigência
identitária”.
Portanto,
levando em conta essas duas afirmações desses diferentes autores,
uma forma da realização dos anseios dessa minoria oprimida seria a
realização de uma prática de Estado “indiferente às
diferenças”, esvaziando assim qualquer afirmação de
diferenciação do espaço político e tornando-se livre de dogmas
religiosos. Sem isso, as questões que envolvem o pensamento cristão
que ainda encontram correspondentes morais sempre se encontrarão
força no senso comum, limitando assim o espaço dos possíveis da
emancipação social.
Lucas Aidar da Rosa
1º Ano de Direito, Noturno.
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