A
questão do aborto é um tema que gera muita polêmica, seja em um debate
político, seja em uma reunião familiar ou em uma palestra na igreja. O STF
decidiu, em sua maioria, a favor do aborto, entretanto, somente no caso de anencefalia,
uma má formação cerebral que condena o feto morte no próprio ventre ou poucas
horas após o nascimento. É evidente que embora o STF tenha se posicionado a
favor do aborto de anencefálicos, a grande maioria da população brasileira é
terminantemente contra a qualquer tipo de aborto, seja por anencefalia, por
estupro, por condições financeiras, dentre outros motivos que possam levar a
prática abortiva.
Essa
grande condenação da prática abortiva por parte da maioria da população
brasileira decorre da grande moralidade cristã presente na sociedade e, até
mesmo, na formação das leis, que, embora o Estado seja considerado laico, o
ordenamento jurídico ainda se encontra carregado do fator moral, dessa força
externa que compõe o campo jurídico, sendo parte de sua estrutura.
Entretanto,
mesmo com a maioria da população contra, o STF decidiu a favor do aborto, mesmo
que apenas no caso do anencefálico. Essa postura do STF, contrária à da maioria
da população brasileira, se explica pelo próprio dever de magistrados, dando
gestão aos conflitos de acordo com a Constituição brasileira. De acordo com
Bourdieu, o magistrado deve assegurar a adaptação ao real e, desse modo,
introduzir mudanças e inovações indispensáveis para o respeito e conformidade a
Constituição.
No
caso deve ser levado não somente a moral religiosa, e esta acaba por prejudicar
a condição e a escolha da mulher. A obrigatoriedade de carregar um filho
indesejado ou fadado a morrer fere o princípio da dignidade da pessoa humana,
constitucionalmente previsto. Além disso, a gravidez de feto anencefálico pode
causar problemas de saúde à mãe, podendo leva-la a morte, está que se torna
algo edificante perante a moral religiosa, e do contrário, algo “pecaminoso” e “imoral”.
É notável também que a grande condenação à mulher que praticou o aborto decorre
do conservadorismo e do machismo que predominam na sociedade.
Levando
todos esses fatores em conta, Bourdieu expõe que o Direito não pode ser utilizado
como instrumento da classe dominante para manter seus interesses e ideais. Essa
é apenas uma parte da estrutura de valores que conflitam dentro do campo
jurídico e, por outro lado, regulam o tamanho, forma e alcance do “espaço dos
possíveis”, local onde ocorrem as mudanças pelo magistrado, que embora tenha
visto a importância do aborto como garantia dos direitos da mulher, através da hermenêutica
dos magistrados que inovam o direito e rompem as barreiras do conservadorismo,
isso só pode ser concretizado dentro do espaço dos possíveis, ou seja, apenas
uma parte de toda uma questão complexa, a parte do anencefálico.
Essa
inovação dos magistrados, segundo Bourdieu, se denomina veredicto, que é
produto da luta simbólica no campo jurídico, caracterizada pela autonomia dos
magistrados. Esse conflito de interesses presente no campo jurídico expressa
uma dialética, na medida em que as mudanças sociais são necessárias, como o
tema do julgado em questão, o outro lado, conservador e moralista tentarão
coibir os esforços progressistas, ainda que pareça irracional e ilógico, esse
poder simbólico manterá a hipocrisia na defesa de algo retrógrado e inviável.
Assim, o direito procura balizar e equilibrar essas forças, fundamentando-se na
realidade, o que para Bourdieu é essencial, mesmo que poucos compreendam o que
está diante de vossos olhos.
Gabriel Magalhães Lopes
1º ano de Direito – Noturno
Aula 3.1 (Bourdieu)
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