Moral pró-nascimento e direito à vida
"A maternidade é
plenamente humana quando resulta de uma escolha ética e não de uma imposição
genética" - Maria José Rosado
A maternidade é vista como uma benção divina. O ato de
dar a luz a um novo ser vivo é um momento idealizado pela grande maioria das
mulheres durante toda a vida, sendo estas condicionadas, já na infância, a amar
bonecas e reproduzir esse amor em uma criança que está prestes a nascer. É um
amor tão genuíno, profundo e arrebatador, que muito dizem ser ele o único
verdadeiro. Tamanha é a complexidade do sentimento da mãe pelo bebê vindouro. Por
isso, quando uma sentença de morte é dada a esse sonho, os efeitos sobre o
psicológico da mulher são devastadores. Ela não poderá criar expectativas para
a criança e quando perceber o crescimento de seu ventre saberá que o resultado
será apenas fatídico, porém será obrigada a planejar o enterro de seu sonho durante nove
meses, cada um deles desejando, criando esperanças de que algo seja diferente.
No desfecho, porém, as lágrimas e o desespero são os mesmos em todos os casos.
Em 2012, a decisão tomada pelo STF mudou essa
realidade. A ADPF 54 foi
aprovada, por maioria de votos, tornando inconstitucional o ato de criminalizar
(baseando-se no Código Penal brasileiro, já ultrapassado em muitos aspectos) o
aborto de anencéfalos, ou seja, de fetos que não possuem chance de ter uma vida
prolongada por muito tempo após o nascimento. Essa decisão gerou uma série de polêmicas,
não apenas sobre o fato de haver uma vida ou não dentro do útero, mas também
sobre a legitimidade da decisão e sobre a extensão do campo jurídico.
Para
Bourdieu, sociólogo Francês, o direito age de acordo com o “espaço dos
possíveis”, sendo este o campo em que as questões jurídicas podem adentrar a
outros campos científicos – como a medicina – e influenciá-los, resguardando o
direito certa independência. Com base nisso, o pensador faz uma análise sobre
como a moral e a razão podem modificar esse espaço. De fato, a igreja exerce um
poder simbólico dentro da nossa sociedade, infundindo a moral cristã até mesmo
em questões do ordenamento jurídico, impedindo que a razão prevaleça
completamente em questões técnico-científicas. Assim, em um Estado que tem como
pressuposto a laicidade, a questão do aborto de anencéfalos não deveria ser
sequer uma questão; porém, como a moral religiosa é demasiadamente forte, o
direito teve de mostrar sua autonomia, demonstrando que as soluções para os
problemas da sociedade estão dentro do próprio campo.
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