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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

  Moral pró-nascimento e direito à vida

"A maternidade é plenamente humana quando resulta de uma escolha ética e não de uma imposição genética" - Maria José Rosado

          A maternidade é vista como uma benção divina. O ato de dar a luz a um novo ser vivo é um momento idealizado pela grande maioria das mulheres durante toda a vida, sendo estas condicionadas, já na infância, a amar bonecas e reproduzir esse amor em uma criança que está prestes a nascer. É um amor tão genuíno, profundo e arrebatador, que muito dizem ser ele o único verdadeiro. Tamanha é a complexidade do sentimento da mãe pelo bebê vindouro. Por isso, quando uma sentença de morte é dada a esse sonho, os efeitos sobre o psicológico da mulher são devastadores. Ela não poderá criar expectativas para a criança e quando perceber o crescimento de seu ventre saberá que o resultado será apenas fatídico, porém será obrigada a planejar o enterro de seu sonho durante nove meses, cada um deles desejando, criando esperanças de que algo seja diferente. No desfecho, porém, as lágrimas e o desespero são os mesmos em todos os casos.
       Em 2012, a decisão tomada pelo STF mudou essa realidade. A ADPF 54 foi aprovada, por maioria de votos, tornando inconstitucional o ato de criminalizar (baseando-se no Código Penal brasileiro, já ultrapassado em muitos aspectos) o aborto de anencéfalos, ou seja, de fetos que não possuem chance de ter uma vida prolongada por muito tempo após o nascimento. Essa decisão gerou uma série de polêmicas, não apenas sobre o fato de haver uma vida ou não dentro do útero, mas também sobre a legitimidade da decisão e sobre a extensão do campo jurídico.
      Para Bourdieu, sociólogo Francês, o direito age de acordo com o “espaço dos possíveis”, sendo este o campo em que as questões jurídicas podem adentrar a outros campos científicos – como a medicina – e influenciá-los, resguardando o direito certa independência. Com base nisso, o pensador faz uma análise sobre como a moral e a razão podem modificar esse espaço. De fato, a igreja exerce um poder simbólico dentro da nossa sociedade, infundindo a moral cristã até mesmo em questões do ordenamento jurídico, impedindo que a razão prevaleça completamente em questões técnico-científicas. Assim, em um Estado que tem como pressuposto a laicidade, a questão do aborto de anencéfalos não deveria ser sequer uma questão; porém, como a moral religiosa é demasiadamente forte, o direito teve de mostrar sua autonomia, demonstrando que as soluções para os problemas da sociedade estão dentro do próprio campo.
    Além disso, o campo jurídico deve evitar o instrumentalismo, ideia de direito a serviço da classe dominante, e o formalismo, entendimento de que direito não é força autônoma diante das pressões sociais (crítica a teoria kelseniana). Assim, em questões envolvidas por um forte cunho moral, o direito não deve atender aos desejos da classe dominante (afinal, aqueles que possuem dinheiro para realizar o aborto em um local de qualidade não precisam se preocupar com a sua descriminalização) e não deve deixar de atender as pressões sociais, como no caso do tipo de aborto mencionado. Deve-se ter em mente, ademais, que os operadores – um dos intérpretes da lei e intérpretes da luta simbólica no campo jurídico– introduzem as mudanças fundamentais por meio da judicialização, sendo o veredicto a expressão dessa luta. Porém, esses operadores possuem um ethos compartilhado, ou seja, possuem valores semelhantes e que, muitas vezes, remontam a ideologia da classe dominante. Desse modo, faz-se necessário que eles estejam atentos às transformações sociais e que possuam um senso crítico apurado, já que o fundamento na realidade é essencial.

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