A
questão da descriminalização do aborto, mesmo que só nos três casos de risco de
vida para a mãe, anencefalia e gravidez decorrente de estupro, gera polêmica
até hoje na sociedade brasileira, mesmo que já aceita amplamente nos países
mais desenvolvidos. Pierre Bourdieu, em sua obra, demonstra alguns conceitos
que se encaixam na luta empreendida pelas mulheres no campo jurídico para fazer
valer o direito ao próprio corpo.
A
excessiva racionalização e universalização do Direito faz com os juízes
apliquem à lei sem considerar particularidades e circunstâncias específicas de cada
caso. É devido a essas características que o aborto é considerado assassinato
pelo senso comum, pois, como é esperado do senso comum, não se investiga além
da superfície. Como se pode considerar assassinato a interrupção do
desenvolvimento de algo que nem vida é ainda? Como se pode juridicamente considerar
vida sem nem recorrer a outros campos especializados como a medicina, a
filosofia, a ética.
Esses
dois últimos, na realidade, são amplamente utilizados sob a perspectiva que os
mescla com a religião e, consequentemente, traz a misoginia para a discussão.
Discute-se a ética a filosofia quando se fala em “se acabar com uma vida que
nem nasceu ainda” ou “a vida existe desde a concepção porque até mesmo uma só
célula é uma vida”. Mas não se discute a ética e a filosofia quando o Direito
se depara com a imensa quantidade de crianças em situação de rua, com 5,5
milhões de crianças que não têm o nome do pai na certidão de nascimento, com uma
mãe que sofre Depressão Pós-Parto por ter sido obrigada a levar adiante uma
gravidez indesejada, com o fato do aborto clandestino ser a quinta maior causa
da mortalidade materna.
Tais
ambiguidades fazem lembrar que esse embate é mais um exemplo da dominação de
uma classe pela outra: a classe das mulheres sendo dominada e subjugada pela
classe dos homens, com base na estruturação do gênero. Nós, mulheres, quando
nascemos já somos colocadas em roupas rosas, delicadas, furam nossas orelhas,
nos ensinam a não falar alto, não sermos agressivas, colocam-nos em saltos
altos que dificultam nossa locomoção, nos obrigam a mutilar nossos corpos
diariamente com a depilação e procedimentos estéticos para nos encaixar num
padrão frágil, submisso e infantilizado. Desde que nascemos nos dizem que nosso
corpo não é nosso e por isso o aborto até hoje no Brasil não aceito. O direito
ao aborto é o direito da mulher ao próprio corpo, e o patriarcado não admite
tal empoderamento.
O Direito vem para garantir as necessidades
reais da população, e não aquelas impostas pela classe dominante. O Direito
deve consultar especialistas para formar uma decisão, e não apenas as leis já
estabelecidas como universais pela classe dominante. O Direito não deve
reproduzir uma determinada ordem social que é considerada como exemplar, ele
deve considerar todas as realidades. Inclusive aquela da mulher periférica
semianalfabeta que não teve acesso a informação e que não deve carregar para o
resto da vida um fardo por causa de um acidente. O bebê é visto como uma
punição para as mulheres, quando ele deve ser visto como uma bênção para um
casal. O Direito exerce uma violência simbólica contra as mulheres, quando é
composto majoritariamente por homens, quando ignora nossas realidades, quando
não leva em conta nossas reivindicações e quando nos nega o direito aos nossos
corpos.
Discente: Gabriela Alves Fontenelle - noturno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário