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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Bourdieu, o aborto e a religião

Em 2012, a ADPF 54 tratou do caso de aborto de anencéfalos, julgando, por maioria dos votos do STF, a inconstitucionalidade de classificar este ato como criminoso utilizando-se de artigos do Código Penal brasileiro. Essa decisão engendrou uma série de discussões acerca do tema, divergindo opiniões sobre a legitimidade desse ato, a exceção que estaria sendo feita nesse caso de aborto e outros assuntos acessórios ao tema.
Pierre Bourdieu, sociólogo francês do século XX, aborda uma discussão sobre o “espaço dos possíveis”, analisando como a razão e a moral podem ampliar e diminuir esse espaço dentro de uma sociedade. De início, faz-se necessário constar a forte presença da religião cristã no país e a influência que esta tem na formação da sociedade brasileira, ainda que estejamos oficialmente sob o governo de um Estado laico. Esse fato causa a problemática de um pensamento sobre o que é a moral e o que é a vida. Ainda que a moral seja pessoal e o Direito coletivo, é fácil notar que as duas coisas caminham lado a lado, já que o Direito, mesmo que não materializado, advém das normas que servem para controlar ou limitar condutas de indivíduos, tendo como base a moral e os bons costumes. Sendo assim, a moral tem grande peso dentro da sociedade; logo, a moral sob a ótica cristã pesa muito mais do que qualquer outra ótica dentro da nossa sociedade, ampliando e reduzindo o espaço dos possíveis à sua forma. Até hoje.
Nesse ponto, entramos no que Bourdieu afirma sobre o Direito. Para ele, o Direito não é e nem deve ser uma ciência apartada da realidade, relacionando-se assim, para mim, que é papel fundamental dos aplicadores do Direito basear suas decisões analisando tudo o que envolve o caso, como por exemplo, o sofrimento de uma mulher que seria obrigada a passar por uma gestação sabendo que seu filho estaria fadado à morte em poucos dias. Além disso, Bourdieu cita também a autonomia relativa do Direito, afirmando que este é “um sistema fechado e autônomo, cujo desenvolvimento só pode ser compreendido segundo a sua dinâmica interna”, trazendo para a atualidade, sob a minha conclusão, como um sistema que não deveria ser influenciado por uma religião mesmo que dominante.
Ainda sobre o aborto de anencéfalos, temos que este é julgado através de definições do que é a vida. E o que é a vida? O nascimento? As batidas de um coração? O início da atividade cerebral? Para cada mil prismas diferentes existem milhares de respostas também diferentes. Para a ciência, algumas (genética, embriológica, neurológica, ecológica etc); para a religião, mais ainda (no catolicismo a vida começa quando o óvulo é fertilizado; no judaísmo, a partir do 40º dia do feto no útero; no islamismo, mais ou menos 4 meses após a fecundação; no budismo, a vida é ininterrupta e está presente em tudo o que existe, etc.); para o Direito, a vida inicia-se após o nascimento. Sendo assim, por que o aborto é visto como uma interrupção da vida, se para o Direito esta ainda não existe? Claramente influência do catolicismo.

E mais, podemos levar a discussão para o âmbito da seletividade, onde os mais ricos dominam os mais pobres, não só em relação ao capital, mas considerando a cultura e influência que cada um exerce sobre o espaço em que vive. Classificar um aborto como legal e outro não, visivelmente seleciona quem sobreviverá e quem virará apenas estatística nos casos de morte na realização de um aborto clandestino.

Julie Araujo
1º ano noturno

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