Mesmo após já ter
sido analisada e considerada constitucional dentro dos parâmetros legais, a
questão do aborto de fetos anencéfalos, traduzida pela Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54 de 12 de abril de 2012, ainda
gera muita polêmica no país.
Pierre Bourdieu, sociólogo
francês, em sua teoria, analisa de forma profunda o Direito, buscando
compreender sua complexidade e suas particularidades. Estabelece a existência
de um “campo”, ou seja, determinada
área onde preexistem hábitos e valores próprios, um ambiente de dinâmica pré-estabelecida
que atua como palco do campo jurídico. Também, o autor afirma a existência de
um habitus, um conjunto aberto de
disposições e percepções incorporadas pelos indivíduos, ou seja, aquilo que se
adquire das relações sociais. Tais aspectos apontados pelo autor evitam o
instrumentalismo (a ideia de que o Direito está a serviço de uma classe
dominante, tal como apontado por Marx) e o formalismo (entendimento do Direito como
força autônoma, isolada de pressões da sociedade, como visto na Teoria Pura do
Direito de Kelsen). Com base nestes
aspectos, Bourdieu delineia uma relação entre o caráter positivo da norma e a constante
necessidade de atendimento às demandas sociais, evitando-se a perpetuação das
duas lógicas mencionadas anteriormente.
A ADPF 54, proposta
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde (CNTS), visava reconhecer
a inconstitucionalidade da criminalização do aborto de fetos anencéfalos,
levantando questões religiosas e referentes ao Estado, como a laicidade estatal
prevista na Constituição; médicas, como a dúvida de quando começa e termina a
vida; e sociais, como a questão referente ao direito de escolha da mulher.
Ainda negando a teoria
kelsiana de um Direito puro, entende-se a concepção de Direito de Bourdieu como
uma mescla das influências externas e internas do Direito, tal como demonstrado
através do habitus. Nesse sentido,
percebe-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal de descriminalizar, de
fato, o aborto anencefálico, comprova a influência dos diversos fatores
externos no processo de fazer o Direito, atestando a atualidade do pensamento
do autor.
Vale-se ressaltar que
não se trata de uma alteração propriamente dita do campo jurídico com base em
ideologias ou crenças pessoais. Na verdade, trata-se de uma ampliação do “espaço
dos possíveis” (ou seja, o alcance que as ações apresentam), utilizando-se da hermenêutica
de forma inovadora e progressista e em consonância com as constantes demandas
sociais.
Lívia
Armentano Sargi
1º
ano – Diurno
Aula
3.1
Nenhum comentário:
Postar um comentário