O julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde (CNTS) a qual alega inconstitucionalidade da hipótese da criminalização do aborto de fetos anencéfalos consistiu um processo analisado sob diversos pontos de vista de determinados grupos que constituem a sociedade. Desta forma é possível compreender que, segundo Bourdieu, a ciência do Direito evita o instrumentalismo, ou seja, impede que as camadas dominantes imponham sua ideologia, assim como o formalismo, que é o entendimento do Direito como força autônoma diante das pressões social.
Para o caso de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, foi analisado os dizeres, em audiência públicalica das seguintes entidades: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Católicas pelo Direito de Decidir, Associação Nacional Pró-vida e Pró-família e Associação de Desenvolvimento da Família, Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Sociedade Brasileira de Genética Clínica, Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Conselho Federal de Medicina, Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sociais e Direitos Representativos, Escola de Gente, Igreja Universal, Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero bem como o hoje deputado federal José Aristodemo Pinotti, este último em razão da especialização em pediatria, ginecologia, cirurgia e obstetrícia e na qualidade de ex-Reitor da Unicamp.
É notório nessa discussão a forte influência da religião como instrumento que visa barrar a descriminalização do aborto, haja vista o seu poder simbólico na sociedade brasileira o qual é utilizado com mecanismo de imposição dos seus valores em detrimento de uma minoria que não concorda, ao passo que os sistemas simbólicos estão apenas submetidos a execução de um poder estruturante e individual. Bourdieu sugere que, em casos de imposição de interesses particulares como representação do interesse de toda a sociedade, consiste em uma forma de violência simbólica. Sendo assim, ocorre uma invasão do espaço dos possíveis do direito brasileiro cujo sistema caracteriza-se como laico.
Além disso, Bourdieu afirma que não é aceitável a compreensão do campo jurídico a interpretação livre das normas. Em relação ao caso de aborto de fetos anencéfalos, alguns profissionais da saúde alegaram a não realização do referido procedimento, pois não havia norma específica que permitisse ou negasse a prática, sendo então discutível a natureza do ato. Essa dicotomia ocorre, pois, sobre o aspecto humano e social, a persistência e levar uma gestação cuja certeza de morte nos casos de anencefalia é de 100%, caracterizando um sofrimento único e exclusivo da mulher, portanto, não é razoável impedir que sejam sanados maiores sofrimentos por parte da mãe, alegando o direito a vida de um ser sem perspectiva de vida. Em contrapartida, a moral religiosa não permite a decisão do momento da morte de uma pessoa, pois, dentro do espaço dos possíveis no que tange a moral religiosa, a interrupção da gravidez encontra-se fora de cogitação.
Em suma, a norma continuou a mesma, porém a interpretação foi modificada, permitindo o aborto, ampliando o espaço dos possíveis do direito a uma categoria específica de aborto: de fetos anencéfalos. Como alega Bourdieu, nesse caso, o direito não foi instrumento da classe dominante religiosa, ao passo que prevaleceu a ética dos magistrados capacitados para a interpretação das normas a qual não torna obrigatório, cabe a consciência da mulher em decidir. Portanto o espaço dos possíveis da moral religiosa foi respeitado, assim como o espaço das mulheres que não concordam com tal ideologia adquirindo a permissão de decidir sobre o próprio corpo.
Juliete Araujo Zambianco
1 ano - Direito Noturno
Aula 3.1 - Bourdieu
Nenhum comentário:
Postar um comentário