País
notável por sua distribuição de riqueza polarizada, ressoando os ecos de seu
passado ditatorial e flertando com os jogos neoliberais, é um Estado que faz de
sua nova economia o renascimento de velhos hábitos. Hoje, os países
latino-americanos, em sua maioria passíveis de enquadramento na narrativa
exposta acima, efervescem convulsões sociais marcadas pela adoção fiel dos pacotes
de austeridade pressupostos pela mão invisível do invisível. Nem mesmo o mercado
– consagrado pelo liberalismo econômico como a força reguladora – fez-se capaz de
seguir ileso das missões autofágicas dos neoliberais.
O capitalismo,
em escala global, tornou-se alvo constante de suas próprias proposituras: de um
lado, a segregação econômica que se faz imprescindível para a distinção de
classes, e, do outro, o anseio pela justiça social fortemente disseminado pelo
processo globalizatório. Mediante tal dicotomia, a possibilidade de
harmonização tange ao inverossímil: para os novos tempos de crises, os novos
tempos de exceção. Tal situação acentua-se quando tratamos de países “em processo
de desenvolvimento”, dado que o progresso econômico é visionado a qualquer
custo, fora uma incumbência genérica a nós determinada por aqueles (países) que
já percorreram pelo almejado caminho do “sucesso”.
Em sua obra
“A sociedade da austeridade e o direito do trabalho de exceção”, António
Casimiro Ferreira discorre acerca do que o próprio chama de “forçosa
racionalização das irracionalidades do capitalismo”, ou seja, em sua primeira
oportunidade de supressão, o sistema flexibiliza as relações trabalhistas por
meio de reformas laborais e promove uma erosão nos direitos de seus trabalhadores
e suas trabalhadoras, a base de qualquer pirâmide produtiva. A priori,
mostra-se como uma solução eficaz dado que confere liberdade aos contratantes –
donos do poderio – no entanto, não é difícil alcançar o futuro próximo e analisá-lo
como problemático: a base de seu modo de produção encontra-se sem nenhum amparo.
Imerso em
um caldo de naturalização de desigualdades, o Brasil percorre caminhos similares
aos examinados por António Casimiro Ferreira em sua obra: Paulo Guedes, atual ministro
da economia, acena para o Estado chileno, ansiando pela maximização de
políticas neoliberais e nos assombrando com recordações de Pinochet. O Direito e
a Justiça do Trabalho tornaram-se os novos vilões da nação brasileira.
Dentro desse
contexto de precarização de nossas relações trabalhistas – vide Reforma
Trabalhista, afrouxamento de restrições à terceirização, e encaminhamento da
Reforma da Previdência – a declaração de procedência da ADPF 324 pelo STF denotou
uma sequência ao afastamento do Estado de suas causas sociais, principalmente
quando estas se põem como barreira à plena desregulamentação do mercado. Em
suma, a concordância com o instrumento pela maioria dos ministros disponibilizou
a terceirização irrestrita das atividades meio e fim às pessoas jurídicas. Em
contrapartida, a Justiça do Trabalho mostrou-se avessa à nova interpretação,
invocando a Súmula 331 do TST, bem como direitos humanos e do trabalho amparados
por nossa Constituição Cidadã.
A
flexibilização extensa do trabalho, proposta tanto pela Reforma Trabalhista
quanto pela terceirização, adotam a mão de obra humana como mera mercadoria. Remuneração
média inferior, maior rotatividade de empregos, aumento de acidentes e mortes proporcionados
por locais insalubres, além da pulverização da classe trabalhadora, são todos
instrumentos utilizados para desvencilhar as redes que conectam o povo e suas
lutas.
A América
Latina fora, ao longo de sua história, bombardeada por interesses externos,
vivências impositoras e uma desigualdade social bastante benéfica àqueles que
almejavam nossos recursos. Quantas sonegações adicionais serão necessárias para
que adotemos nosso cosmopolitismo, apoio e respeitos mútuos contra as forçosas
imposições globais? O povo brasileiro, de maneira uníssona, ainda desconhece o
que é viver sem as duras amarras da austeridade.
Vitória Garbelline Teloli - 1º Direito (noturno)
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