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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A hermenêutica diatópica como possível resolução para conflitos culturais


A percepção de que estamos engendrados em um sistema que repele nossas vontades genuínas tem sido constatada cada vez mais com o decorrer do tempo. Isso porque as vontades humanas são dominadas e controladas para servir a um único propósito: favorecer àqueles que sempre estiveram no topo da pirâmide social que existe desde o início dos tempos. A mitigação das vontades e do livre arbítrio é o que cria a incompatibilidade de pessoas e resulta em violências extremas que repelem a união social, causando apenas guerras, tragédias ou qualquer coisa que se distancie do bem comum e equânime, o que leva a compreensão de que para perpetuar a ideia de que todos somos livres perante a jurisdição que nos garante livre arbítrio dentro dos parâmetros legais de vivência social, é necessário validarmos a igualdade e o bem estar em sociedade, a partir da compreensão do livre arbítrio individual como uma construção também pessoal de cada ser humano que passa a se revelar como sendo um papel cultural muito maior dentro das formas de história de cada um que grande parte da população invalidou durante muito tempo, possivelmente durante até mesmo séculos. Entende-se que o papel do Estado usual é respeitar as diferentes formas de vida, ao passo que, interfira quando o contrário não estiver sucedendo, ou seja, é necessário ter em vista que o Estado não é responsável por interferir nas diversas escolhas de dar continuidade a uma vivência, porém é necessário que ele interfira enquanto um guardião e assegurador dos direitos sociais quando essa liberdade for negada a um indivíduo na sociedade.

No ADI 4.339 referente ao ensino religioso nas escolas públicas é discutida a questão referente a laicidade do Estado e o ensino religioso de matrícula facultativa. Em vista disso, a decisão do STF foi de que esse ensino só pode ser realizado se abarcar as diversas religiões existentes e não apenas se concentre em uma específica, pois isso irá ferir as premissas de livre arbítrio e liberdade religiosa. Além disso, os ensinamentos deveriam se basear em formas didáticas de ensino para que se afaste cada vez mais de um possível ideia de doutrinação religiosa.

Boaventura de Sousa Santos, em seu artigo denominado “Direitos Humanos e o desafio da interculturalidade”, descreve o que seria um Topoi: “lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura, que funcionam como premissas de argumentação que, por sua evidência, não se discutem e tornam possíveis a produção e a troca de argumentos.”, ou seja, em cada local existe um forma de estruturação cultural que garante a hegemonia de determinado pensamento sobre determinado território, e essa visão pode causar estranhamento e rivalidade entre povos, o que Boaventura diz se tratar de um viés multiculturalista. O multiculturalismo foi criado com o decorrer da globalização que necessitou que houvesse o dominador e o dominado para suprir as necessidades do sistema.

Com o multiculturalismo e a existência de topois, Santos discorre sobre como as culturas possuem diversos sentidos, e que cada uma delas carrega consigo o que existe no local de mais valioso. A partir de então, ele descreve a hermenêutica diatópica:baseia-se na idéia de que os topoi de uma dada cultura, por mais forres que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. Tal incompletude não é visível do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte pelo todo. O objectivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude — um objectivo inatingível — mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra. Nisto reside o seu caracter diatópico (SANTOS, 1997).

Dessa forma, Boaventura define que para a vivência equânime que respeite e modele os direitos humanos, é necessário que seja desenvolvida uma compreensão referente a toda e qualquer cultura. Portanto, definir que o ensino religioso seja facultativo e abrangente a todas as religiões é fundamental para que a tolerância e o bom convívio possam aflorar cada vez mais na sociedade do século XXI.



Beatriz Dias de Sousa, 1º ano Direito Noturno


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