Em 27 de setembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava o modelo confessional de ensino religioso nas escolas da rede pública de ensino do país. Conforme esse modelo, aulas de conteúdo religioso, cuja matrícula é facultativa, devem ser ministradas de acordo com o credo individual.
Na ação, a PGR sustentava que tal disciplina deve ser voltada à história e à doutrina das diversas religiões, sendo ensinada sob uma perspectiva laica, para asseverar que o ensino religioso nas escolas públicas não seja vinculado a nenhuma religião em específico. Os ministros, no entanto, entenderam como constitucional a confessionalidade do ensino nas escolas brasileiras e, em sessão plenária, declararam improcedente a ADI.
Todavia, é utópica a ideia de que as escolas públicas consigam manter aulas de religiões diferentes, haja visto que “nossas escolas já não têm salas suficientes para todo mundo”, como dito por Carlos Roberto Cury, professor de política educacional, e que seria difícil encontrar professores para religiões minoritárias, como defendido por Elcio Cecchetti, coordenador-geral do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (Fonaper), posto que estas instituições religiosas não têm estrutura para atuar em todo o país e preparar professores da mesma maneira que a Igreja Católica, por exemplo.
Boaventura de Sousa Santos, para “resolver” estas situações de privilegiamento do discurso dominante, propõe uma hermenêutica diatópica. Discutida em sua obra intitulada Direitos Humanos: o desafio da interculturalidade (2009), a hermenêutica diatópica consiste no reconhecimento de que os topoi — “lugares comuns retóricos mais abrangentes” (2009, p. 7) — de uma cultura são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. O reconhecimento destas incompletudes é a condição para um diálogo intercultural que ampliará a consciência da incompletude mútua entre as culturas, oportunizando articulações positivas entre estas entidades. Contudo, “a hermenêutica diatópica é um trabalho de colaboração intercultural e não pode ser levada a cabo a partir de uma única cultura ou por uma só pessoa” (2009, p. 8) e, por isso, o modelo de ensino religioso não deveria ser associado a uma confissão religiosa.
Em face do exposto, é depreendido disso que a ADI 4439 se constituiu em um instrumento para a manutenção do discurso hegemônico da cultura dominante e que, portanto, as premissas de um diálogo intercultural que poderia levar, eventualmente, a um pluralismo sócio-cultural dentro das escolas são desrespeitadas, o que é repudiável por favorecer o estabelecimento da desigualdade através de um ensino religioso hegemônico.
Thayná Roque de Miranda - Matutino
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