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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A Austeridade Sintomática


   A obra “Sociedade da Austeridade e direito do trabalho de exceção”, composta por António Casimiro Ferreira, aplica-se a decupar o instrumento basilar da política econômica neoliberal: a austeridade. Elemento sintomático das crises financeiras que assolaram as décadas antecedentes e fiel escudeira das articulações privadas no século XXI, o teor austero das agendas governamentais transcende a mera posição de modelo administrativo, convertendo-se em um mecanismo híbrido – visto o vínculo Estado-capital, subsidiário e promotor das estruturas de dominação social.
   Nesse ínterim, o autor concede enfoque essencial frente ao aspecto psicológico oculto às sombras do processo de desaparelhamento estatal, e não carente de motivo. Os preceitos estipulados pela Escola de Chicago, a título de exemplo, compreendem momentos de fragilidade populacional como oportunidades de alteração da conjuntura socioeconômica. Traumas, medo, desesperança: esses são fatores capazes de tornar a psique humana propensa às influências externas. A transferência de culpa e responsabilidade aos indivíduos, designados como causa da onerosidade excessiva do Estado e – consequentemente – do colapso econômico, portanto, não apenas se torna viável diante de tragédias mercadológicas, como tece um novo âmbito suscetível à reestruturações sistêmicas. Trata-se, sob a óptica de Naomi Klein, de uma “doutrina de choque” à nível nacional ou, pautando-se pelo panorama contemporâneo, global.
   Isso posto, a congregação multilateral de dimensões desestabilizantes, aliadas aos componentes habituais de perpetuação e permeabilização do regime hierárquico classista, corroboram para revigorar os projetos de extinção dos auxílios e garantias trabalhistas e sociais – acobertados pela égide da justificativa empregatícia. Com base nisso, instauram-se formatos distintos de contingenciamento e corte de verbas públicas, ao mesmo passo que propostas de flexibilização normativa se concretizam, formulando um pretenso Estado disciplinado e rigoroso em relação à dispendiosidade. No entanto, tamanho empreendimento para constituição de governos enxutos e “eficazes” não se revela perante a política mercantil. O intervencionismo bilionário realizado pela entidade estatal, ao defrontar-se às falências do capital financeiro, revela a contradição interna dos reais pontos motivacionais da mobilização neoliberal.
   Por fim, analisando-se a composição do cenário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, ao declarar procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, fazendo-se lícita a terceirização das relações trabalhistas, por atividade-fim ou meio no setor privado, o guardião constitucional, incumbido de resguardar os direitos previstos no código supremo, flerta e se conecta ao discurso que preza pela preponderância da questão monetária, em detrimento da dignidade da vida humana. A precarização laboral, congruentemente à política de austeridade, surte efeitos na esfera psicológica, e a insalubridade mental, decorrente do desamparo e angústia relativa ao futuro, retroalimenta o ciclo de fragilização da vida em sociedade. À vista disso, a postura adotada pela última instância judicial comprova, inquestionavelmente, o caráter sintomático da austeridade como suposta solução às ingerências do capital.
(Caio Laprano - Primeiro Ano - Noturno)

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