No dia 27 de setembro de 2017, ao votar a
improcedência da ação Direta de Inconstitucionalidade 4439 - que questionava a
constitucionalidade do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da educação e do
artigo 11 do acordo internacional promulgado pelo decreto 7107 de 2010 - o
Supremo Tribunal Federal entendeu que o ensino religioso em escolas públicas
poderia ser de natureza confessional.
A Procuradoria Geral da República, autora do
pedido, defendia o entendimento de que o ensino religioso nas escolas públicas
não pode ser vinculado a religiões específicas. Entendia que não poderiam ser
admitidos professores representantes de confissões religiosas. Sustentou que a
disciplina deveria ser ensinada sob uma perspectiva laica.
Votando
pela procedência do pedido, o ministro Celso de Mello reforçou que o Estado
laico não pode ter preferências de ordem confessional. “Em matéria
confessional, o Estado brasileiro há manter-se em posição de estrita
neutralidade axiológica em ordem a preservar, em favor dos cidadãos, a
integridade do seu direito fundamental à liberdade religiosa”.
Segundo
Boaventura de Souza Santos: “O verdadeiro
ponto de partida do diálogo é o momento de frustração ou de descontentamento
com a cultura a que pertencemos. Esse sentimento suscita a curiosidade por outras
culturas. A hermenêutica diatópica aprofunda, à medida que progride, a incompletude
cultural, transformando a consciência inicial de incompletude, em grande medida
difusa e pouco articulada, numa consciência auto reflexiva. ” Relacionando a
ideia do autor com o julgado é possível reconhecer o valor da descoberta de
novas culturas. Um Ensino Religioso, como propôs a PGR, voltado para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob
uma perspectiva laica, poderia auxiliar no desenvolvimento de uma hermenêutica
diatópica, ao suscitar a curiosidade por outras culturas, não as impondo, mas apresentando.
A
então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, votando contra o relator, afirmou
que: “A laicidade do Estado brasileiro não impediu o reconhecimento de que a
liberdade religiosa impôs deveres ao Estado, um dos quais a oferta de ensino
religioso com a facultatividade de opção por ele”.
Para
Boaventura de Souza Santos, compete a cada comunidade cultural decidir quando
está pronta para o diálogo intercultural. Em seu texto, o autor defende essa
ideia de “tempos unilaterais a tempos partilhados” abordando a relação entre o
Ocidente Democrático e o resto do mundo. Segundo Santos: “a cultura ocidental,
durante séculos, não teve qualquer disponibilidade para diálogos interculturais
mutuamente acordados e agora, ao ser atravessada por uma consciência difusa de
incompletude, tende a crer que todas as outras culturas estão igualmente
disponíveis para reconhecer a sua incompletude e, mais do que isso, ansiosas para
se envolver em diálogos interculturais com o Ocidente”. Com as devidas vênias,
considerando as diferenças históricas e culturais, poder-se-ia questionar se a
figura do ocidente, recém-aberto a diálogos interculturais e do oriente que
caminha em seu próprio ritmo com certas situações ao redor do Brasil. É sabido
que no Brasil existem diversos “brasis”, portanto, como questionar a validade
do ensino confessional em locais que ainda não conheceram a interculturalidade?
Em alguns locais do Brasil ainda existem cidades nas quais autoridades
religiosas são tidas na mais alta estima pela população, partindo desse ponto,
uma decisão centralizada, do distrito federal, seria igualmente aceita em todo
o país? Talvez não fosse a questão de
descentralizar essa decisão e permitir que, como propõe Boaventura de Souza
Santos, cada comunidade decida quando se abrir para o diálogo intercultural?
A
questão discutida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4439 tem ramificações
amplas e argumentos sólidos para ambos os lados. Não se pode negar que o Estado
tem que manter estrita neutralidade no foro religioso, tendo em vista preservar
a liberdade religiosa. Especialmente no que tange à educação pública, a atuação
direta de representantes de confissões religiosas específicas pode ser
interferir no foro íntimo do indivíduo. Por outro lado, há de se questionar a
eficácia e a validade de tomar decisões que afetam a educação em um país de
proporções continentais como um todo, especialmente sem tomar a devida atenção
às especificidades locais.
Pedro Augusto Ferreira Bisinotto
Direito-Noturno
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