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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Incompletude cultural e tempos partilhados no Ensino Religioso em escolas públicas


No dia 27 de setembro de 2017, ao votar a improcedência da ação Direta de Inconstitucionalidade 4439 - que questionava a constitucionalidade do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da educação e do artigo 11 do acordo internacional promulgado pelo decreto 7107 de 2010 - o Supremo Tribunal Federal entendeu que o ensino religioso em escolas públicas poderia ser de natureza confessional.

A Procuradoria Geral da República, autora do pedido, defendia o entendimento de que o ensino religioso nas escolas públicas não pode ser vinculado a religiões específicas. Entendia que não poderiam ser admitidos professores representantes de confissões religiosas. Sustentou que a disciplina deveria ser ensinada sob uma perspectiva laica.

Votando pela procedência do pedido, o ministro Celso de Mello reforçou que o Estado laico não pode ter preferências de ordem confessional. “Em matéria confessional, o Estado brasileiro há manter-se em posição de estrita neutralidade axiológica em ordem a preservar, em favor dos cidadãos, a integridade do seu direito fundamental à liberdade religiosa”.

Segundo Boaventura de Souza Santos: “O verdadeiro ponto de partida do diálogo é o momento de frustração ou de descontentamento com a cultura a que pertencemos. Esse sentimento suscita a curiosidade por outras culturas. A hermenêutica diatópica aprofunda, à medida que progride, a incompletude cultural, transformando a consciência inicial de incompletude, em grande medida difusa e pouco articulada, numa consciência auto reflexiva. ” Relacionando a ideia do autor com o julgado é possível reconhecer o valor da descoberta de novas culturas. Um Ensino Religioso, como propôs a PGR, voltado para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica, poderia auxiliar no desenvolvimento de uma hermenêutica diatópica, ao suscitar a curiosidade por outras culturas, não as impondo, mas apresentando.

A então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, votando contra o relator, afirmou que: “A laicidade do Estado brasileiro não impediu o reconhecimento de que a liberdade religiosa impôs deveres ao Estado, um dos quais a oferta de ensino religioso com a facultatividade de opção por ele”.

Para Boaventura de Souza Santos, compete a cada comunidade cultural decidir quando está pronta para o diálogo intercultural. Em seu texto, o autor defende essa ideia de “tempos unilaterais a tempos partilhados” abordando a relação entre o Ocidente Democrático e o resto do mundo. Segundo Santos: “a cultura ocidental, durante séculos, não teve qualquer disponibilidade para diálogos interculturais mutuamente acordados e agora, ao ser atravessada por uma consciência difusa de incompletude, tende a crer que todas as outras culturas estão igualmente disponíveis para reconhecer a sua incompletude e, mais do que isso, ansiosas para se envolver em diálogos interculturais com o Ocidente”. Com as devidas vênias, considerando as diferenças históricas e culturais, poder-se-ia questionar se a figura do ocidente, recém-aberto a diálogos interculturais e do oriente que caminha em seu próprio ritmo com certas situações ao redor do Brasil. É sabido que no Brasil existem diversos “brasis”, portanto, como questionar a validade do ensino confessional em locais que ainda não conheceram a interculturalidade? Em alguns locais do Brasil ainda existem cidades nas quais autoridades religiosas são tidas na mais alta estima pela população, partindo desse ponto, uma decisão centralizada, do distrito federal, seria igualmente aceita em todo o país?  Talvez não fosse a questão de descentralizar essa decisão e permitir que, como propõe Boaventura de Souza Santos, cada comunidade decida quando se abrir para o diálogo intercultural?

A questão discutida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4439 tem ramificações amplas e argumentos sólidos para ambos os lados. Não se pode negar que o Estado tem que manter estrita neutralidade no foro religioso, tendo em vista preservar a liberdade religiosa. Especialmente no que tange à educação pública, a atuação direta de representantes de confissões religiosas específicas pode ser interferir no foro íntimo do indivíduo. Por outro lado, há de se questionar a eficácia e a validade de tomar decisões que afetam a educação em um país de proporções continentais como um todo, especialmente sem tomar a devida atenção às especificidades locais.

Pedro Augusto Ferreira Bisinotto
Direito-Noturno

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