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segunda-feira, 28 de outubro de 2019


A DECISÃO DO STF SOBRE O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS SOB A PERSPECTIVA DE HERMENÊUTICA DIATÓPICA



Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439, proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou mais detidamente a questão referente ao ensino religioso nas escolas públicas. Ao ingressar com a ação, a PGR questionou a constitucionalidade do artigo 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e do artigo 11, § 1º do “Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, mais conhecido como “Acordo Brasil-Santa Sé". O pedido da PGR residiu na busca da interpretação conforme à CF dos referidos dispositivos legais, no sentido de estabelecer que o ensino religioso nas escolas públicas somente poderia ter natureza não confessional e que deveria ser proibida a contratação de professores que representassem alguma confissão religiosa.

Os argumentos que fundamentam o pedido da PGR são de que a única maneira de compatibilizar a laicidade estatal e a permissão constitucional de ensino religioso é por meio do modelo não-confessional, que não privilegie uma religião específica e que não seja ministrada por profissionais ligados às igrejas ou confissões religiosas. Desse modo, a PGR defendeu que tanto o modelo confessional quanto o modelo interconfessional (ecumênico), seriam contrários ao princípio constitucional que estabelece a laicidade do Estado brasileiro.

As contraposições aos argumentos apresentados pela PGR podem ser sintetizadas em três pontos principais. Em primeiro lugar, há o entendimento de que os mandamentos constitucionais e legais de vedação ao proselitismo e da laicidade do Estado não permitem uma interpretação restritiva de que o modelo não-confessional é o único que pode ser admitido. Segundo esse viés, os três modelos (confessional, não-confessional e interconfessional) são admitidos pela CF. Em segundo lugar, visto que a matrícula na disciplina é facultativa, garante-se, a um só tempo, a liberdade dos indivíduos e o mandamento legal de que não haverá proselitismo. Em terceiro lugar, como a CF garante a liberdade de crença, a diversidade cultural religiosa e à pluralidade confessional, a recusa em ofertar o ensino de determinada religião é que violaria a liberdade religiosa, visto que “o ensino religioso a ser ministrado nas escolas públicas não tem cunho aconfessional, pois, se possuísse essa natureza, não haveria razão para que fosse de matrícula facultativa aos alunos”.

A importante decisão do STF sobre a questão do ensino religioso nas escolas públicas enquadra-se no contexto das distintas concepções sobre os direitos humanos (DHs). Conquanto um dos princípios que estruturam a teoria sobre os DHs seja a universalidade, autores, como Boaventura de Sousa Santos (BSS), demonstram que há limites práticos à concretização desse princípio, em virtude das idiossincrasias culturais de cada povo. Desse modo, segundo BSS, faz-se necessário aceitar essas resistências culturais como ponto de partida para conseguir a implementação de uma pauta sobre DHs.

No artigo “Direitos Humanos: o desafio da interculturalidade”, Boaventura indica que “enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os Direitos Humanos tenderão a operar como localismo globalizado e, portanto, como forma de globalização hegemônica.” Diante dessa afirmativa, surge um questionamento: qual o caminho para concretizar uma pauta de DHs? BSS responde que “para poder operar como forma de cosmopolitismo, como globalização contra-hegemônica, os Direitos Humanos têm de ser reconceitualizados como multiculturais”

Ciente das tensões entre o local e o global e de suas implicações, Boaventura propõe que sejam levados em conta, em cada sociedade, os topoi culturais, para que haja a possibilidade de implementar a pauta dos DHs. Os topoi podem ser compreendidos como “lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura, que funcionam como premissas de argumentação que, por sua evidência, não se discutem e tornam possíveis a produção e a troca de argumentos.”  Ao constatar que “compreender determinada cultura a partir dos topoi de outra cultura é tarefa muito difícil”, BSS propõe a concepção da hermenêutica diatópica, que busca demonstrar as incompletudes de cada topoi, por meio da compreensão mútua entre os povos de suas próprias incompletudes. Dessa maneira, esse processo hermenêutico contribuiria para permitir a definição de uma pauta mínima sobre DHs em cada nação.

Após a análise da decisão do STF e da teoria de Boaventura, é possível inferir que os Ministros do STF, ao decidirem pela improcedência da ação, permitindo assim a adoção dos modelos confessional, não-confessional e interconfessional para o ensino religioso, compreenderam que a nação brasileira, cujo topoi é majoritariamente cristão, somente estaria aberto um modelo que contemplasse a diversidade cultural constituinte do povo brasileiro, tanto no que se refere à liberdade dos conteúdos religiosos a serem ensinados quanto ao método de ensino desses conteúdos.


Kleber – RA 191222471 - UNESP - Direito - 1º ano DIURNO

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