Conforme o
art. 33, da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), caput, “o ensino religioso,
de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, e
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa no Brasil,
vedadas qualquer forma de proselitismo (Redação dada pela Lei nº 9475, de
22.7.1997)”. Dessa forma, fica clara
a proteção assegurada aos diferentes credos e religiões de forma expressa. Em contrapartida,
como argumenta a Procuradoria Geral da União, em Ação Direta de
Inconstitucionalidade, por a Lei não manifestar-se de maneira clara quanto
à obrigatoriedade ou não do ensino confessional nas escolas públicas, a norma
permite que uma imposição da religião católica predomine dentro das grades
horárias dos alunos, devido ao tamanho e poder da Igreja Católica na formação
histórica do Brasil.
Frente a
isso, percebe-se que essa imposição da cultura predominante – a Católica –
funciona como um impedimento ao desenvolvimento saudável do conhecimento e
aprendizado das diversas culturas religiosas e sua história. No sistema de
ensino hodierno brasileiro, o ensino religioso é obrigatório mas facultativo
aos alunos ou seus responsáveis. Diante desse sistema, fica a cargo das escolas
decidir ligar-se a entidades religiosas ou contratar professores representantes
de algum credo específico, sendo uma das principais críticas da Procuradoria
Geral da União. Em consonância ao pedido da PGR, argumentando a necessidade da
não-confessionalidade – de modo que o Estado mantenha a sua laicidade e
convivência de todas as visões religiosas – o Ministro Celso de Mello explicita
que “Em matéria confessional, o Estado brasileiro há de manter-se em posição de
estrita neutralidade axiológica em ordem a preservar, em favor dos cidadãos, a
integridade do seu direito fundamental à liberdade religiosa”.
Sob o ponto
de vista contrário, a Ministra Carmen Lúcia, responsável pelo desempate e
improcedência da ADI, julgou que o STF não deveria agir de maneira contrária a
uma determinada religião, mesmo que essa seja a católica. Conforme a visão
majoritária desse julgamento do STF, a laicidade do Estado já é sabida por
todos e, dessa maneira, este não deve interferir na liberdade das escolas e ter
seu ensino confessional, não confessional ou inter confessional. Entretanto,
tal visão acaba por, intencionalmente ou não, abrir uma brecha de excessão
dentro da necessária laicidade do Estado, pois não considera a majoritariedade
do ensino católico no país.
Como uma
forma de afronte a essa imposição de uma cultura “superior”, o autor Boaventura
de Souza Santos propõe uma “hermenêutica diatópica”, presente em sua obra
“Direitos Humanos: o desafio da interculturalidade”. Esse termo pode ser explicado
como o reconhecimento da incompletude das cultura, sendo compreendido que o
diálogo entre cultura seria o responsável por um crescimento do respeito entre
as diversas visões diferentes. Apenas através dessa “diluição inter-culturas”
as inadmissibilidade do diferente seria combatido de forma eficaz, enfrentando
uma hierarquia entre a cultura dos vencedores e vencidos. No título da mesma
obra, ainda, o autor propõe os topoi, sendo
estes a forma de visão axiológica com a aqual cada sociedade possui seus valores
enraízados e que, consequentemente, são a visão daquele povo em relação a
dignidade humana. Estes topoi só
podem ser vistos de fora, sob uma visão universal dos Direitos Humanos.
Finalmente,
fica clara que a decisão do STF, da improcedência da ADI e, dessa forma, mantendo
a confessionalidade do ensino religioso, impede a visão dessa
interculturalidade e, de uma forma ou de outra, permite que o catolicismo
imponha-se como uma cultura superior, devido às características históricas
brasileiras.
Lucas Perseguino Rodrigues de Araujo - Direito Matutino
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