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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A necessidade da interculturalidade


Conforme o art. 33, da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), caput, o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa no Brasil, vedadas qualquer forma de proselitismo (Redação dada pela Lei nº 9475, de 22.7.1997)”.  Dessa forma, fica clara a proteção assegurada aos diferentes credos e religiões de forma expressa. Em contrapartida, como argumenta a Procuradoria Geral da União, em Ação Direta de Inconstitucionalidade,  por a  Lei não manifestar-se de maneira clara quanto à obrigatoriedade ou não do ensino confessional nas escolas públicas, a norma permite que uma imposição da religião católica predomine dentro das grades horárias dos alunos, devido ao tamanho e poder da Igreja Católica na formação histórica do Brasil.
Frente a isso, percebe-se que essa imposição da cultura predominante – a Católica – funciona como um impedimento ao desenvolvimento saudável do conhecimento e aprendizado das diversas culturas religiosas e sua história. No sistema de ensino hodierno brasileiro, o ensino religioso é obrigatório mas facultativo aos alunos ou seus responsáveis. Diante desse sistema, fica a cargo das escolas decidir ligar-se a entidades religiosas ou contratar professores representantes de algum credo específico, sendo uma das principais críticas da Procuradoria Geral da União. Em consonância ao pedido da PGR, argumentando a necessidade da não-confessionalidade – de modo que o Estado mantenha a sua laicidade e convivência de todas as visões religiosas – o Ministro Celso de Mello explicita que “Em matéria confessional, o Estado brasileiro há de manter-se em posição de estrita neutralidade axiológica em ordem a preservar, em favor dos cidadãos, a integridade do seu direito fundamental à liberdade religiosa”.
Sob o ponto de vista contrário, a Ministra Carmen Lúcia, responsável pelo desempate e improcedência da ADI, julgou que o STF não deveria agir de maneira contrária a uma determinada religião, mesmo que essa seja a católica. Conforme a visão majoritária desse julgamento do STF, a laicidade do Estado já é sabida por todos e, dessa maneira, este não deve interferir na liberdade das escolas e ter seu ensino confessional, não confessional ou inter confessional. Entretanto, tal visão acaba por, intencionalmente ou não, abrir uma brecha de excessão dentro da necessária laicidade do Estado, pois não considera a majoritariedade do ensino católico no país.
Como uma forma de afronte a essa imposição de uma cultura “superior”, o autor Boaventura de Souza Santos propõe uma “hermenêutica diatópica”, presente em sua obra “Direitos Humanos: o desafio da interculturalidade”. Esse termo pode ser explicado como o reconhecimento da incompletude das cultura, sendo compreendido que o diálogo entre cultura seria o responsável por um crescimento do respeito entre as diversas visões diferentes. Apenas através dessa “diluição inter-culturas” as inadmissibilidade do diferente seria combatido de forma eficaz, enfrentando uma hierarquia entre a cultura dos vencedores e vencidos. No título da mesma obra, ainda, o autor propõe os topoi, sendo estes a forma de visão axiológica com a aqual cada sociedade possui seus valores enraízados e que, consequentemente, são a visão daquele povo em relação a dignidade humana. Estes topoi só podem ser vistos de fora, sob uma visão universal dos Direitos Humanos.
Finalmente, fica clara que a decisão do STF, da improcedência da ADI e, dessa forma, mantendo a confessionalidade do ensino religioso, impede a visão dessa interculturalidade e, de uma forma ou de outra, permite que o catolicismo imponha-se como uma cultura superior, devido às características históricas brasileiras.


Lucas Perseguino Rodrigues de Araujo - Direito Matutino

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