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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Pessoas quebram, grandes empresas, não.

Um dos maiores sucessos do capitalista é o slogan histórico “o trabalho dignifica o homem”. Desconsiderando, brevemente, a autoria da frase e seu contexto, precisa se entender o que ela representa hoje. Com as ebulições da última eleição presidencial brasileiras, foi evidenciado o “medo” que relevante parte da população sente em relação às ideologias de corrente de esquerda. Este “medo” é explicado por diversos fatores, porém, o desconhecimento desta mesma corrente política afigura se como principal- para uma população, na maioria das vezes, consideravelmente desinformada, o trabalho é um atributo exclusivo de um capitalismo suntuoso, sendo assim, apenas o capitalismo é capaz de proporcionar uma vida digna. Enquanto este pensamento atinge apenas à esfera popular, existem ideias a serem repensadas e combatidas, mas quando este pensamento disfarça a austeridade das esferas econômicas, o distúrbio é ainda maior. 
Como expõe António Casimiro Ferreira em sua obra Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção, manejar das crises econômicas para submeter governos e populações é o que mantém todo o espírito agressivo da globalização, que responsabiliza os trabalhadores individuais a pagarem por estas. Para o autor, austeridade, nos dias de hoje, consiste em “um modelo político-econômico punitivo em relação aos indivíduos, (...) excessos do passado devem ser reparados pelo sacrifício presente e futuro, enquanto procede à implementação de (...) erosão dos direitos sociais e de liberalização econômica da sociedade” (FERREIRA, 2012, p.13).  
Em 2018, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e, posteriormente, o Recurso Extraordinário (RE) 958252, os ministros do Supremo Tribunal Federal consideraram como lícita a terceirização em todas as atividades empresariais. Mesmo mencionando possíveis punições aos possíveis abusos realizados, a decisão do STF, abertamente, não se trata, meramente, de demandas coletivas ou redução da competitividade. Com a Primeira Revolução Industrial, pelo menos uma mensagem deveria ter sido abalizada- que, primordialmente, dever ser priorizado o trabalhador. E em um país com a bagagem histórica da escravidão- e por “histórica” não limito aos tempos remotos- a terceirização deveria ser considerada como a últimas das tentativas para atender as demandas sociais por ofícios.  
Por uma empresa terceirizada, a marca Bob’s se beneficiava com trabalho análogo a escravidão durante o Rock in Rio, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego em 2013; terceirizados da Petrobras não recebiam salário em 2014, também segundo o Ministério do Trabalho e os exemplos anteriores a data da decisão são inúmeros tanto no Brasil, quanto no restante do mundo globalizado. Para os terceirizados, vítimas de um pensamento de contenção de danos e crescimento econômico sobre quaisquer circunstâncias, aqueles empregos constituíam uma realidade melhor do que que a possibilidade de não ter nenhum emprego, uma visão que acentua ainda mais o barbarismo da referida decisão.  
Para Ferreira, através das privatizações, aumento de impostos e flexibilização dos direitos as desigualdades sociais vão sendo naturalizadas. O exemplo dessa naturalização hoje se exala nos modernos entregadores de delivery que, das motos, tiveram que se submeter às bicicletas. O conceito de trabalho da Organização Mundial do Trabalho como uma não mercadoria e instrumento da justiça social é transmutado, pelo simples atender das demandas, em melhor correr riscos como os anteriores à legislação trabalhista do que ser mais um desempregado. “As consequências do “imaginário econômico neoliberal” (...), podem sintetizar-se da seguinte forma: corte da ligação entre o econômico e o social através de um processo de legitimação das opções políticas assente na indexação dos direitos laborais” (FERREIRA, 2012, p.26). 
Além da austeridade, o pensamento neoliberal também gera frutos como o desrespeito ao trabalho, a flexibilização de direitos, desqualificação dos sindicatos e, por fim, conforme Ferreira, a criação de um trabalho de exceção, limitando o trabalho à uma troca financeira. A decisão do STF prestigiou o trabalho em dano dos direitos trabalhistas, prestigiou, assim, o lucro das grandes empresas e incumbiu pessoas de baixa renda a indenizar uma crise da qual nunca foram responsáveis.  

Amanda Cristina da Silva - 1º noturno
Referência Bibliográfica: 
FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012. [Cap. 1 – “Introdução”; Cap. 2 – “Do espírito de Filadélfia ao modelo da austeridade”, p. 11-31]. 

  

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