Que o direito assume diversas
abordagens de acordo com o meio social é fato conhecido muito bem,
principalmente após teorias como as do sociólogo Pierre Bourdieu sobre a
autonomia relativa do direito devido sua exposição às provocações do campo
social. Entretanto, a análise do fazer jurídico a partir da modernidade não se
limita a constatar as relações inconstantes entre direito e sociedade, mas
passa a se aprofundar na ação concreta e no poder dos tribunais de acordo com
os diferentes contextos políticos e seus indivíduos e grupos, os quais buscam uma comunicação política e social para garantir suas necessidades. Assim, a partir da obra “Poder Judiciário e
mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”.” de Michael W. McCann é
possível verificar a intenção de engendrar concretamente os caminhos que estão
sendo tomados para a mobilização do direito pelas ações individuais e coletivas
na busca de seus interesses.
Esse questionamento é evidenciado
por meio de uma análise sobre as questões sociais em pauta no nosso país, as
quais transitam entre os meios políticos e jurídicos expressando posicionamentos
importantes e, muitas vezes, silenciados pela própria sociedade brasileira. A
discussão sobre a criminalização da homofobia e transfobia a partir da Ação
Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo deputado federal do Partido
Popular Socialista (PPS) Roberto João Pereira Freire é um exemplo dessa ação
judiciária e seus liames no campo político e social. Dessa maneira, esse
procedimento abordou a discriminação e o atentado aos direitos assegurados não
apenas em vários documentos internacionais - como nos Princípios de Yogyakarta,
na Convenção Internacional sobre a eliminação de
todas as formas de Discriminação Racial ou na própria Declaração
Universal dos Direitos Humanos, por exemplo - como também em nossa Carta Magna,
mais precisamente em seu Artigo 5º em especial no inciso XLI. Sendo assim,
criminalizar atos de LGBT+fobia seria uma ação prevista constitucionalmente de
legislar em âmbito do Direito Penal, uma vez que pela teoria do Direito Penal
Mínimo a vertente jurídica penal se constitui como última ratio para garantir a
proteção de direitos fundamentais, considerando também o agravante da inércia
do Legislativo e sua falta de comprometimento a respeito do tema.
A partir do exposto, percebe-se
a mobilização do Direito para colocar em debate e discussão um tema visto,
muitas vezes, como inútil para determinada parcela da sociedade que pensa não
ser diretamente atingida pela questão ou que até convalida com atitudes
discriminatórias e violentas contra a comunidade LGBT+. Entretanto, um
posicionamento contrário às disposições dessa ADO é sustentado pela dúvida
sobre a real eficácia da criminalização da homofobia e transfobia para a
resolução das violências motivadas pela orientação sexual ou identidade de
gênero de alguém. Essa linha de pensamento é justificada pelo pensamento de que
por esse tipo de discriminação já ser até citada como punível no texto
constitucional, especificamente no artigo 5º mencionado anteriormente nesse texto,
criar uma penalização não mudaria concretamente tal impasse. Além disso, o
posicionamento contrário à criminalização também engendra que essa ação do
judiciário de criar um tipo penal seria um desvio de suas funções a partir da
separação dos três poderes, como levantado nos votos dos Ministros Lewandowski,
Marco Aurélio e Dias Toffoli.
É necessário salientar, porém, que
a posição não favorável à ADO parece não se lembrar da busca do papel emancipatório
do Direito, uma vez que tal pauta é recebida pelo âmbito judiciário após
constantes tentativas de representação e de voz política pelas pessoas que
sofrem esse tipo de violação. Sendo assim, é necessário interpretar esse
movimento jurídico não apenas como uma busca de solução concreta para o caso da
LGBT+fobia, mas como uma ação de abertura de diálogo e de segurança jurídica
para que os indivíduos oprimidos por essa violência tenham acesso aos seus
direitos fundamentais e à dignidade humana.
“O acesso que as instituições
judiciais concedem aos cidadãos para eles fazerem valer seus direitos é um
direito-chave e um indicador do vigor democrático de uma sociedade.” (MCCANN,
2010, p. 192)
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