A homofobia caracteriza-se como qualquer ato de
ódio, desprezo ou repulsa contra algum indivíduo por virtude de sua orientação
sexual, enquanto a transfobia é o mesmo tipo de ação voltada contra travestis e
transexuais, ambos caracterizando-se como um grave problema na
contemporaneidade, não só do Brasil, como em vários países ao redor do mundo.
Diversas organizações e indivíduos têm buscado maneiras de enfrentar este
problema.
O Brasil possui um número alarmante de casos de homotransfobia,
indo desde incitações de ódio e destilações de preconceito até agressões
físicas, torturas e assassinatos. Por conta destes fatos, o Supremo Tribunal
Federal julgou durante três meses, tendo seu término em junho de 2019, a
possibilidade de enquadrar o crime de homofobia dentro da lei 7716/89, conhecida
como Lei do Racismo, que tipifica crimes de discriminação por conta de raça,
etnia, cor, religião ou procedência nacional como passiveis de punição, além de
inafiançáveis e imprescritíveis.
Tendo em vista o fato dessa decisão de grande
importância estar sendo tomada pela Suprema Corte do Brasil, este fenômeno pode
ser encarado como parte da expansão do poder dos tribunais e um maior
protagonismo do direito e do Poder Judiciário. O autor Michael McCann, em seu
artigo “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos usuários”,
institui alguns conceitos, além de trazer para o debate ideias de outros
autores e pensadores, que podem ser de grande auxilio para uma visão
amplificada desse fenômeno, assim como suas causas e consequências.
Destarte, é necessário observar que as populações
pertencentes à comunidade LGBTQI+ sofrem constantemente por ataques na mídia,
preconceitos, repulsas advindas da família e de outras pessoas inseridas em seu
circulo social, e várias vezes esses sentimentos acabam por traduzir-se em manifestações
de agressividade. A estrutura heteronormativa presente na sociedade também faz
com que esses indivíduos sejam excluídos, marginalizados e tidos como anormais
por não seguirem formas padronizadas de sexualidade e gênero.
Essa exclusão faz com que muitas vezes essas pessoas
venham a desenvolver graves problemas psicológicos, como é o caso da depressão,
e, em casos mais extremos, vir a cometer suicídio. Essa conjuntura desfavorável
em que a sociedade coloca esses grupos faz com que os mesmos fiquem
extremamente vulneráveis, necessitando de uma maior proteção por parte do poder
público para ter seus direitos assegurados, fazendo-se necessário que as condutas
que ameacem estas populações sejam enquadradas na ilegalidade.
Cesare Beccaria, autor italiano do século XVIII,
institui que as penas e punições possuem um caráter de prevenção da ocorrência
de determinados delitos, através dos exemplos que elas exercem perante os
demais indivíduos, demonstrando que certas condutas são inaceitáveis e passiveis
de alguma forma de sanção. A institucionalização de penas contra crimes de homotransfobia
seria uma forma eficaz de diminuir estas ações, pelo caráter exemplar que iria
exercer sobre as pessoas, gerando um desincentivo à prática destas agressões.
O fato de organizações em prol dos direitos dos gays,
lésbicas e transexuais buscarem o Direito como um meio para realizar seus
interesses de uma maior segurança e da proteção de seus direitos à dignidade,
respeito e felicidade, entre outros, há de ser vista como uma manifestação da
mobilização do direito, conceito de Michael McCann, que coloca que a
mobilização do direito como sendo o fenômeno de algum grupo buscando a
realização de seus interesses e valores através do meio jurídico.
Fran Zemans, autor citado por Michael McCann em seu artigo, conceitua que
a mobilização do direito é uma importante forma de democracia, sendo a disputa
judicial tão importante para isto quanto o voto. Os tribunais são importantes
enquanto órgãos de fiscalização das instituições democráticas, atuando em
várias áreas onde os demais poderes públicos se omitem, sendo a mobilização do
direito uma forma de direcionar esta fiscalização.
Há de se ver ainda que essa parcela da sociedade,
enquanto realiza a exigência de seus direitos, acaba por gerar uma demanda constantemente
expansiva de ações judiciais. Essas demandas são organizadas pela advocacia e os
tribunais encontram-se como os únicos legitimados para decidir sobre tais
demandas, o que gera, consequentemente, um aumento razoável do poder destas
instituições, por meio de uma “revolução de baixo pra cima”. Esta concepção é conhecida
como Argumento da demanda, tratada na obra The
Rights Revolution, de Charles Epp, outro autor citado por McCann, onde o
poder dos tribunais é expandido em decorrência da demanda por direitos por uma parte
da sociedade. A ação acerca da criminalização da homofobia enquadra-se nesta
concepção, em decorrência de ser uma demanda advinda de uma parcela da
população, no caso, organizações e grupos pró-direitos da comunidade LGBTQI+,
que tomou proporções na esfera jurídica.
Muitos criticam o fato desta matéria estar sendo discutido
e decidido pela Suprema Corte, ao invés do Congresso Nacional. Várias pessoas
alegam que isto é uma manifestação do Poder Judiciário invadindo a competência
de outro poder, cometendo uma grave afronta ao regimento jurídico e democrático
do Brasil. O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, Carlos Blanco de Morais, no VI Fórum Jurídico de Lisboa, comentou acerca
da atuação do Supremo Tribunal Federal: “O STF veio engrandecendo seus poderes
a muito tempo, sendo o tribunal constitucional mais poderoso do mundo”.
Entretanto, há de se salientar que o Poder
Legislativo tem apresentado uma enorme resistência em colocar este tipo de
matéria em pauta, dando proteção especial para alguns grupos mais vulneráveis,
como minorias étnicas, religiosas e estrangeiras, mas não oferecendo esta mesma
proteção para gays, lésbicas e transexuais, por exemplo, cabendo ao Direito
assegurar a materialidade dos direitos destes indivíduos. Embora não seja o
cenário ideal, acaba se fazendo necessário em decorrência da morosidade do
Parlamento quanto a esta matéria.
A mobilização do direito pode ter diversas
manifestações enquanto for uma atividade em curso da sociedade, sendo uma delas
a partir de um nível estratégico, onde as ações judiciais e o contexto modificam
as estratégias que os indivíduos se utilizam para aplicar suas ações judiciais.
A mutação constitucional ocorrida em 1988 passou a incentivar a ação judicial,
assim como permitir maior acesso para as mesmas, modificando as estratégias que
grupos como os supracitados LGBTQI+ utilizam para fazer suas demandas.
A primeira turma do STF aprovou a tipificação do
crime de homotransfobia na Lei de Racismo. Diante dos argumentos supracitados,
foi um grande avanço, sendo um primeiro passo para podermos modificar a
conjuntura social em que estamos inseridos, procurando transforma-la para um estado
mais tolerando para as diferentes manifestações de pessoas na sociedade.
João Lucas Albuquerque Vieira
Unesp - Campus Franca
Direito Matutino
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