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domingo, 29 de setembro de 2019

A efetivação a partir da mobilização do Direito

Em setembro, ocorreu na cidade do Rio de Janeiro um dos maiores eventos de livros do país, a Bienal do Livro. Nessa edição o prefeito Marcelo Crivella censurou um dos livros em exposição, “Vingadores: a cruzada das crianças”, pedindo para que os exemplares fossem recolhidos, pois em seu conteúdo havia imagem que ilustrava um beijo entre dois personagens do sexo masculino.
Diariamente, há diversos casos de censura de cunho homofóbico, como esse. Aliás, não apenas de censura, mas de violência física e psicológica contra a comunidade LGBTQI+, principalmente aos homossexuais e transexuais, por serem quem são ou pela demonstração de afeto que foge do padrão heteronormativo.
Essa ação do prefeito da cidade do Rio de Janeiro demonstra um grande retrocesso da sociedade; e não obstante, os dados de violência contra a comunidade, são assustadores. A média brasileira, como aponta o site de notícias do G1, é de uma morte por homofobia a cada 23 horas.
Entretanto, concomitantemente, cresce também o número de movimentos de apoio à causa LGBT no Brasil e no mundo, aumentando a visibilidade da causa; e é inegável que já houveram progressos consideráveis no âmbito jurídico, em relação aos direitos dessa população minoritária.   
Um grande passo dado pela justiça brasileira em prol da comunidade LGBT foi enquadrar a homofobia e a transfobia com a tipificação penal do racismo, previsto na lei 7.716/1989. A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26 impenetrada pelo Deputado Federal Roberto João Pereira Freire, e o Mandado de Injunção (MI) nº 4733 foram analisadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, e a conclusão do julgamento ocorreu em junho desse ano.
A ADO teve como relator o Ministro Celso de Mello, além da participação de diversos amicus curiae, entre eles, o Grupo Gay da Bahia (GGB). Por maioria, a decisão da Corte foi de reconhecimento da mora do Congresso Nacional para incriminar atos que atentem os direitos fundamentais de integrantes da comunidade LGBT.
Essa conquista para esse grupo minoritário, iniciada por um ente que exerce representação popular, demonstra a ocorrência do conceito de mobilização do Direito, do autor Michael McCann presente em “Poder Judiciário e mobilização do Direito: uma perspectiva dos ‘usuários’”.
O voto do Ministro Ricardo Lewandowski levantou os argumentos apresentados pelo requerente, explicando que o pedido busca “obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima”.
Esse argumento pautou-se no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, postulando-se essencialmente na questão de que a homofobia e a transfobia se enquadram no conceito ontológico-constitucional de racismo, ou que deveriam, subsidiariamente, serem entendidas como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais.
No requerimento ainda, foram solicitadas a fixação de responsabilidade para o Estado, de indenização às vítimas de todas as formas de homofobia e transfobia, incluindo os casos que precederam o reconhecimento da mora legislativa.
Entretanto, as pautas apresentadas obtiveram reconhecimento parcial, classificando o “pedido de condenação do Estado em indenizar vítimas de homofobia e transfobia, em virtude de descumprimento do dever de legislar”, como inadmissível.
Ainda, caso não houvesse o entendimento de que a lei 7.716/89 tipifica práticas homofóbicas, haveria mora constitucional por inobservância dos incisos XLI e XLII do artigo 5º da Constituição, devendo haver uma fixação de prazo para que o Poder Legislativo sanasse a omissão legislativa.
O Ministro ainda irá dissertar acerca da reivindicação pela igualdade de grupos minoritários e de direitos humanos em todo o mundo, afirmando que
“Esses grupos, por serem minoritários e, não raro, vítimas de preconceito e violência, demandam especial proteção do Estado. Nesse sentido, a criminalização de condutas discriminatórias não é só um passo importante, mas também obrigatório, eis que a Constituição contém claro mandado de criminalização neste sentido: conforme o art. 5º, XLI, ‘a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais’”.
Considerando esse conjunto, é possível relacionar o processo às ideias de McCann, que classifica a mobilização do Direito como a busca da realização dos interesses e valores por meio de ações de indivíduos, grupos ou organizações. A tese do autor visa deslocar o foco dos tribunais para os usuários, utilizando o direito como um recurso de interação política e social.
Dentro disso, os tribunais para McCann é um “ator nos complexos circuitos de disputas políticas”. A nível instrumental e estratégico, a mobilização busca a análise de como as ações judiciais configuram o contexto estratégico dos outros atores do Estado e da sociedade.
Essa análise em muito se relaciona com o argumento do Ministro Lewandowski de que “os grupos sistematicamente excluídos de direitos têm, outrossim, mais facilidade para alcançar seus objetivos estratégicos por meio do Poder Judiciário, cujo acesso é mais simples e menos custoso do que o acesso ao Legislativo e ao Executivo”; e também com o Mandato de Injunção supracitado, expedido pelo poder Judiciário.
Além disso, a participação dos amicus curiae e o fato da questão da homofobia e transfobia terem chegado ao tribunal, demonstra que a atuação do mesmo exerce função de catalizador da ação político-social, efetuando um aumento da relevância da questão na agenda pública; o privilégio de algumas partes demonstrar interesse na questão e a criação de oportunidades para que essas partes, como fez o GGB e o Conselho Federal de Psicologia, se mobilizasse em torno da causa.
Ademais, por conta de a questão ter chegado no tribunal, há também ações de contramobilização por uma parcela da sociedade com ideais conservadores, como é possível ver no caso da Bienal do Livro.  
Enfim, McCann ainda afirmará que “os tribunais podem exercer papéis importantes em mobilizar os cidadãos enquanto atores e conectá-los a uma vida cívica engajada”, e que “se os tribunais contribuem tanto para a justiça social quanto para a justiça formal, se os processos judiciais aumentam a equidade e limitam a hierarquia, eles podem ser coerentes com a democracia”.
Para Franz Zemans, autor citado por McCann, a mobilização do direito é uma forma clássica de atividade democrática; “a disputa judicial entre os cidadãos é um sinal de democracia tanto quanto o voto”.
Observando isso, dentro do contexto brasileiro, o autor irá comentar que a reforma constitutiva permitiu uma maior participação dos grupos e de instituições na busca pelo cumprimento da Constituição de 1988, e isso provoca demandas vindas das camadas marginalizadas e uma “cultura jurídica que valoriza as partes mais vulneráveis”.
Todavia, esse sistema oprime o Judiciário exercendo uma diminuição em sua capacidade de responder efetivamente. O resultado é um grande número de demandas, com longos períodos de atraso na resolução dos conflitos.
Ainda assim, a via do Judiciário é mais simples para a resolução de conflitos, pois por conta de toda a burocracia envolta do Poder Legislativo, a espera por uma autoridade competente que demonstre interesse em pautas sociais e queira reivindicá-las seria maior.
Por fim, é possível concluir que o fenômeno da mobilização do Direito na sociedade contemporânea auxilia na busca pela efetivação dos direitos fundamentais da parcela marginalizada da população, como dos LGBTQI+, e também no dinamismo do Direito quanto ao acompanhamento das viradas axiológicas.
Toda a ideia de McCann demonstra ferramentas para o bom funcionamento de uma democracia e isso concretiza aquilo que em tese é a finalidade do Estado Democrático de Direito: a garantia do Bem Comum; formulada pelo Papa João Paulo como o “conjunto de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana".


Daiana Li Zhao - Direito Matutino - 1º ano
           


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