O
julgamento acerca da criminalização da homofobia aconteceu em 2019, mas o
assunto chegou à Corte há muito tempo, por meio de duas ações judiciais. Uma
fora o mandado de injunção 4733, impetrado pela Associação Brasileira de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT), em
2012. Já a segunda foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão,
ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), em 2013. Ambas demandavam a criminalização
específica de todas as formas de homofobia e transfobia.
Pode-se
analisar esse julgado à luz do autor Michael McCann, em seu texto “Poder
judiciário e mobilização do Direito: uma perspectiva dos usuários”, no qual ele
diz que não é só a elite que busca pelos tribunais, mas estes passam a tutelar
os interesses e as demandas de grupos subalternos da sociedade, como o grupo
LGBT. O autor usa a “abordagem institucional” para explicar esse acionamento
excessivo do Judiciário: a esfera
política está se fragilizando, e por isso os tribunais acabam se tornando as
instituições que catalisam as vontades e os anseios dos indivíduos. Voltando ao
julgado, as ações pediam que o STF ficasse um prazo para que a lei fosse
criada, pois era notória a mora constitucional do Congresso diante dessa
importante questão de preconceito de gênero e de orientação. O grupo LGBT é o
único grupo vulnerável que não recebe proteção expressa e especifica do
Congresso Nacional, e, por isso, se valer da técnica da “interpretação conforme a Constituição” em
consonância com os dispositivos leis da lei antirracismo se fez uma solução.
McCann
afirma que houve um processo de mudanças sociais e institucionais, pois hoje se
observa a perspectiva do pluralismo e do Direito alternativo, além de
perspectivas sociológicas e antropológicas desses grupos subalternos, ávidos
por reformas sociais. De acordo com Bourdieu, o campo jurídico, nesse sentido,
não está imune às emergências do campo social, ele se faz permeável a essas
questões. Ao buscar os tribunais, essas ideias emergentes acabam se
incorporando na própria visão desses tribunais, na medida em que pautam a agenda
do judiciário; passam a fazer parte da própria cultura institucional do
judiciário, influenciando politicamente suas narrativas. O autor diz que esse
complexo de disputas e embates também vai moldando a própria cultura
organizacional do judiciário. Sendo assim, o Tribunal, ao atuar nessas matérias
que aparentemente não estão dentro de suas competências, pode aumentar a
relevância da questão na agenda pública, dando força, voz e visibilidade a
esses grupos prejudicados e menosprezados, sendo essa uma consequência muito
positiva. Afinal, o poder dos tribunais não é apenas um poder de proferir
sentenças; ele, muitas vezes, enquadra o próprio delineamento das estratégias
dos grupos que anseiam pela satisfação de seus interesses por meio da
mobilização do Direito.
Em
desfecho, a corte votou, em sua maioria, favorável ao uso da interpretação
aditiva da Lei 7.716/89 (Lei do Racismo), artigo 20, com o objetivo de
criminalizar a homofobia e transfobia. A inertia deliberandi do legislativo em
legislar acerca desse assunto demonstra a omissão desse poder diante da justa e
precisa demanda social. O fato de já existir projeto de lei, da competência dos
membros do Congresso, em tramitação há anos, só demonstra que esses
responsáveis se esquivam da aprovação e concretização de um projeto de tamanha
importância e impacto/transformação social, e assim se prevalece os interesses
políticos de um Congresso ainda muito conservador. Desse modo, uma solução
seria a de o poder judiciário ultimar um prazo aos legisladores para que deliberem
sobre o projeto de lei que tipifica a criminalização, e caso continue a omissão
inconstitucional do Legislativo, o próprio STF, ainda que de maneira
provisória, apontaria a solução normativa adequada para superar essa lacuna
legal (função contramajoritária do Supremo) em defesa das minorias e seus
direito e sua dignidade.
Raquel
Colózio Zanardi – 1o ano Direito matutino
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