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domingo, 29 de setembro de 2019

A ADO 26 e a mobilização do Direito


O julgamento acerca da criminalização da homofobia aconteceu em 2019, mas o assunto chegou à Corte há muito tempo, por meio de duas ações judiciais. Uma fora o mandado de injunção 4733, impetrado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT), em 2012. Já a segunda foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), em 2013. Ambas demandavam a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia.
Pode-se analisar esse julgado à luz do autor Michael McCann, em seu texto “Poder judiciário e mobilização do Direito: uma perspectiva dos usuários”, no qual ele diz que não é só a elite que busca pelos tribunais, mas estes passam a tutelar os interesses e as demandas de grupos subalternos da sociedade, como o grupo LGBT. O autor usa a “abordagem institucional” para explicar esse acionamento excessivo do Judiciário:  a esfera política está se fragilizando, e por isso os tribunais acabam se tornando as instituições que catalisam as vontades e os anseios dos indivíduos. Voltando ao julgado, as ações pediam que o STF ficasse um prazo para que a lei fosse criada, pois era notória a mora constitucional do Congresso diante dessa importante questão de preconceito de gênero e de orientação. O grupo LGBT é o único grupo vulnerável que não recebe proteção expressa e especifica do Congresso Nacional, e, por isso, se valer da técnica da  “interpretação conforme a Constituição” em consonância com os dispositivos leis da lei antirracismo se fez uma solução.
McCann afirma que houve um processo de mudanças sociais e institucionais, pois hoje se observa a perspectiva do pluralismo e do Direito alternativo, além de perspectivas sociológicas e antropológicas desses grupos subalternos, ávidos por reformas sociais. De acordo com Bourdieu, o campo jurídico, nesse sentido, não está imune às emergências do campo social, ele se faz permeável a essas questões. Ao buscar os tribunais, essas ideias emergentes acabam se incorporando na própria visão desses tribunais, na medida em que pautam a agenda do judiciário; passam a fazer parte da própria cultura institucional do judiciário, influenciando politicamente suas narrativas. O autor diz que esse complexo de disputas e embates também vai moldando a própria cultura organizacional do judiciário. Sendo assim, o Tribunal, ao atuar nessas matérias que aparentemente não estão dentro de suas competências, pode aumentar a relevância da questão na agenda pública, dando força, voz e visibilidade a esses grupos prejudicados e menosprezados, sendo essa uma consequência muito positiva. Afinal, o poder dos tribunais não é apenas um poder de proferir sentenças; ele, muitas vezes, enquadra o próprio delineamento das estratégias dos grupos que anseiam pela satisfação de seus interesses por meio da mobilização do Direito.
Em desfecho, a corte votou, em sua maioria, favorável ao uso da interpretação aditiva da Lei 7.716/89 (Lei do Racismo), artigo 20, com o objetivo de criminalizar a homofobia e transfobia. A inertia deliberandi do legislativo em legislar acerca desse assunto demonstra a omissão desse poder diante da justa e precisa demanda social. O fato de já existir projeto de lei, da competência dos membros do Congresso, em tramitação há anos, só demonstra que esses responsáveis se esquivam da aprovação e concretização de um projeto de tamanha importância e impacto/transformação social, e assim se prevalece os interesses políticos de um Congresso ainda muito conservador. Desse modo, uma solução seria a de o poder judiciário ultimar um prazo aos legisladores para que deliberem sobre o projeto de lei que tipifica a criminalização, e caso continue a omissão inconstitucional do Legislativo, o próprio STF, ainda que de maneira provisória, apontaria a solução normativa adequada para superar essa lacuna legal (função contramajoritária do Supremo) em defesa das minorias e seus direito e sua dignidade.
Raquel Colózio Zanardi – 1o ano Direito matutino

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