O presente julgado trata da Ação Direta
de Inconstitucionalidade Por Omissão (26-DF), teve como relator o Min. Celso
de Mello e como parte requerente o Partido Popular Socialista contra
o Congresso Nacional, em que se buscou, segundo o Min. Ricardo Lewandowski,
“[...] obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia
e transfobia, especialmente das ofensas, dos homicídios, das agressões e
discriminações motivadas pela orientação sexual e identidade de gênero, por ser
isto decorrência da ordem constitucional de legislar relativa ao racismo (art.5º,XLII),
subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais
(art.5º,XLI, CF.88) [...]”. O processo teve a participação de 12 entidades que
entraram como Amicus Curiae, algumas delas: Grupo Gay Da
Bahia-GGB; Associação De Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis E
Transexuais- ABGLT; Grupo De Advogados Pela Diversidade Sexual-GADVS e
Associação Nacional de juristas evangélicos-ANAJURE.
A decisão dos Ministros
do Supremo Tribunal Federal foi de dar provimento as impetrações e
de enquadrar as práticas e condutas discriminatórias de homofobia e transfobia como
crime de racismo. A determinação do STF gerou deveras críticas em relação a
possível descumprimento do princípio da legalidade e preocupação de que o
judiciário ao adotar tal posição estivesse exorbitando suas funções. Porém,
esses argumentos contrários não demonstram ser validos uma vez, que tanto a
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão quanto o Mandado de Injunção
são instrumentos jurídicos previstos na Constituição Federal de 1988, que
possuem o objetivo de questionar a omissão do Poder Público. Além disso, é
legítimo conferir interpretação de acordo com a Constituição, ao conceito de
crime de racismo estabelecido na Lei 7.716, interpretando o conceito
ontológico-constitucional de racismo como abrangido as discriminações em
relação a orientação sexual e de gênero.
Os grupos de lgbtqi+ e
transsexuais são minorias, vítimas constantes de preconceitos, discriminações,
violências, e dessa forma demandam de proteção especial do Estado, assim, a
criminalização de comportamentos discriminatórios é primordial e
um passo obrigatório. Está disposto claramente na Constituição Federal de 1988
em seu Artigo 5º, XLI: “ A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdade fundamentais”. Nesse sentido para que a justiça seja concretizada
é necessário legislar a esse espeito e, enquanto o Congresso Nacional se omite
cabe ao Poder Judiciário reinterpretar a partir de um processo de historicização da
norma, em que adapta as fontes a circunstancias inéditas, descobrindo uma nova
exegese.
Trazendo para a discussão o conceito de
Imperativo Categórico de Immanuel Kant relacionando-o com o
julgado e o princípio universal do direito, enuncia-se que “é justa
toda ação que permite, ou cuja máxima permite, que a liberdade de arbítrio de
cada um coexista com a liberdade dos outros [...]”. Dessa
maneira, entende-se que a justiça é alcançada quando um ato que fere
a liberdade e autonomia do outro é impedido , sendo a criminalização
um meio para isso.
Apesar do exposto, existe quem defenda
que a decisão de criminalizar não será efetiva, haja visto que o
racismo ainda existe mesmo criminalizando a conduta. Analisando o processo de
aplicação de legislações e criação de acórdãos direcionadas à
grupos historicamente subjugados, pela perspectiva
de Michael W. McCann (Poder Judiciário e a mobilização do
direito: uma perspectiva dos “usuários”) visualiza-se que os
Tribunais com suas decisões geram um estopim de mudanças sociais e paradigmais.
Diante da afirmativa de McCann de que “a interpretação constitucional
dos tribunais afirma visões de uma boa e legitima sociedade, visões que outros
são encorajados a aceitar” podemos refletir que a decisão de criminalizar
a homofobia e a transfobia, tipificando os atos discriminatórios
contra pessoa por conta de sua orientação sexual e ou identidade de
gênero como crime de racismo, pode engendrar na sociedade brasileira a
consciência que todos independente de qualquer coisa possuem o direito de igual
participação na vida social.
Em situações polêmicas como a que se
apresentada fica evidente a importância dos tribunais na mobilização do direito
por grupos sociais, em especial os minoritários, e a relevância que o STF
possui ao influenciar estratégias políticas estimulando respostas positivas dos
entes e dos cidadãos que não estão diretamente relacionados ao caso (P.187). O
excerto do texto de McCann trazido adiante demonstra os
aspectos positivos decorridos dos tribunais:
“Convenções jurídicas (...), apreendidas, internalizadas e normalizadas
pelos cidadãos através de muitas formas de participação cultural – educação
formal, comunicação de massa, cultura popular, experiências pessoais
diretamente dentro das definições institucionais legalizadas. E, nessas formas,
os conhecimentos, convenções e justificativas legais fundamentais transmitidas
pelos tribunais são reproduzidos e reforçados no interior de múltiplas
práticas, relações e arranjos que estruturam a vida diária por toda a
sociedade.” (P.191).
Em suma os Tribunais quando atuam nessas disputas conseguem
trazer maior visibilidade para para a questão na agenda política; e
fortalecem a democracia, pois o acesso as instituições judiciais
enseja que os indivíduos busquem por seus direitos, e possibilita que os tribunais
exerçam uma justiça social, aumentando a equidade e garantindo os direitos
legais de sujeitos que se encontram em um Sul epistemológico, ou seja, em
espaços marginalizados.
Lívia Alves Aguiar, Direito- Matutino 1º Ano
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