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segunda-feira, 5 de julho de 2021

Resenha Crítica aprofundada - Filme: O Ponto de Mutação

O filme “O Ponto de Mutação”, de Fritjof Capra, retrata um debate acerca do conhecimento e da visão de mundo entre três personagens principais: a cientista (Sonia), o político (Jack) e o poeta (Thomas). Cada um destes traz suas opiniões sobre o pensamento humano, de acordo com a bagagem de vida em suas respectivas profissões.


O enredo praticamente se inicia quando os dois homens, já amigos, conversam sobre o relógio presente na torre onde estão e, a partir disso, a mulher entra em cena despretensiosamente para também opinar a respeito. Desde então, os três travam um diálogo em que cada um se apresenta e, a cientista discute sobre o pensamento cartesiano tomando como base o relógio do ambiente. Segundo ela, a percepção de René Descartes na busca do conhecimento é muito fragmentada e não ampla, de forma que cada peça do relógio representaria essa dialética, ao invés de uma percepção de seu funcionamento como um todo. 


Essa reflexão torna-se apenas ponto de partida para um longo diálogo que é travado entre os personagens centrais e que traz principalmente essa discussão sobre a maneira de pensar do ser humano. Conforme todos vão andando no local, Sonia também tenta convencer Jack sobre mudar a própria ideia tão ultrapassada e errônea de governar. Em sua defesa, a cientista retoma a crítica em relação à visão cartesiana fragmentada, na medida em que os homens de poder encaram os problemas e trazem as soluções de maneira estanque e simplista.


Indo além até mesmo do que é citado no longa-metragem e aprofundando a dialética de René Descartes, o próprio filósofo, em seu livro “Discurso do método”, expõe a sua experiência na busca do conhecimento por meio de um processo metódico. Sob a perspectiva cartesiana, cada saber humano deve ser questionado como verdadeiro ou não e, conforme as dúvidas são desvendadas, o filósofo conclui a ideia de ciência como elemento voltado para o bem do homem. Nesse sentido, a crítica proposta pelo filme volta a tona pela própria vivência da cientista que viu suas grandes descobertas na física serem desvirtuadas para a esfera militar por causa dos políticos, contrariando, corretamente, a premissa anterior de Descartes. Vale destacar que sim, o conhecimento pode ser um instrumento benéfico para a vida do homem; porém, em mãos erradas, pode ser utilizado equivocadamente.


Ademais, conforme o enredo do filme vai sendo desenvolvido, Jack questiona como essa ideia fragmentada de políticas públicas pode ser consertada no meio político e como convencer os eleitores sobre essa mudança. De acordo com a física (Sonia), essa postura passa por uma mudança de mentalidade da sociedade em geral em encarar seus males. Na medida em que os governantes agem e respondem por milhões de pessoas, é necessário que os problemas (sociais, econômicos, ambientais) sejam resolvidos em sua raiz e não de modo a combater as consequências destes. Assim como é criticado a Descartes, o mundo é muito complexo para se acharem respostas individualizadas.


Além dessa questão filosófica, em algumas partes do filme é possível perceber o subjetivo dos três personagens que os faz construir tal percepção de mundo. Em primeiro plano, percebe-se que a cientista tem suas inseguranças pessoais no que se diz respeito a se relacionar além do seu domínio científico e se aventurar na própria carreira política para colocar em prática suas boas ideias. Em segundo plano, o político é aberto ao diálogo, mas encara a dificuldade em transpor a ideia de mundo abrangente para sua vida de candidato. Por último, o poeta sempre permeia a interlocução trazendo seu lado artístico para enriquecer o debate e também aprender mais sobre o que a cientista tem a dizer. Thomas também traz uma reflexão final ao filme recitando um poema que se encerra com todos se despedindo e deixa em aberto os caminhos de vida a serem percorridos por cada personagem, após a assimilação de todas as ideias compartilhadas.


De maneira geral, o longa-metragem não apresenta um enredo dinâmico, com muitas ações e ambientes diferentes; porém é uma boa forma de provocar uma reflexão individual sobre como encarar as questões da sociedade em geral. Apesar de ter sido produzido no final do século passado, a discussão mantém-se atual e necessária, tendo em vista que muitos governantes ainda têm uma visão rasa de combater as consequências dos problemas e não suas origens. Além disso, a percepção da ciência apenas como um alicerce benéfico ao homem apresenta-se como dicotômica, tanto com os avanços empregados nos conflitos armados, quanto com as descobertas essenciais sobre vacinação para o combate do coronavírus, por exemplo. Portanto, o mais importante para o espectador é o estabelecimento de uma mentalidade aberta e capaz de se tornar um “ponto de mutação” em suas ações voltadas para o bem comum.


Gabriel Drumond Rego - Direito Matutino (1° semestre) - Turma XXXVIII

Um comentário:

  1. Legal o filme. Mas não gostei quando a Sonia fala pro político: "a execução é um problema seu". Falando assim, ela incorre no mesmo paradigma da fragmentação o qual critica. Pois delega para os políticos agirem no mundo. Se observarmos, os magnatas criticados em um trecho por ela tem uma participação ativa na política, financiam companha, compram políticos e escrevem projetos para eles executarem. Aí quem não compactua com sua visão fica de fora do cabo de guerra, não disputa nada.
    Outro ponto é que o conhecimento humano não avança na sociedade sem um interesse material de parte da sociedade envolvido. Por ex., o conhecimento de que a terra é redonda. Ele só foi aplicado no nível coletivo porque havia um interesse comercial, imperialista e de aumento do poder dos reis. Assim mesmo, teve gente que teve medo de perder poder e privilégio com essa mudança de paradigma e reagiu violentamente contra isso.
    Por fim, muito se pensa erroneamente que, enquanto uma mudança desejável dos valores e pensamento na sociedade acontece de modo gradual, a reação contra essas mudanças vem de maneira brusca, irrefletida e sem estratégia. Não, ela também é um processo construído, a reação dos opositores não vem do dia pra noite. Só observarmos tudo que tem ocorrido atualmente, com todo negacionismo científico, as pregações de certos gurus, as pretendidas reformas educacionais, os cortes de verba pra ciencia, etc... Não é uma questão de propor uma imposição violenta de alguma mudança, como o personagem do político do filme questiona, mas de acompanhar os movimentos do inimigo e preparar uma defesa contra ele. Principalmente se a proposta não for apenas de ganho de conhecimento a nível individual, mas de mudança coletiva.

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