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segunda-feira, 28 de junho de 2021

“As pessoas preferem acreditar naquilo que elas preferem que se seja verdade. ”

 

Na charge de Pedro Henrique apresenta-se a temática das cotas étnico-raciais. Assim como muitos temas relevantes em nossa sociedade, exista quem apoie as cotas e exista quem seja contrário a elas, ambos apresentando uma gama de argumentos que justifiquem suas escolhas. Mas o fato é que, nos últimos nove anos, desde a aprovação da lei federal, a adoção do sistema de cotas já começou a modificar os espaços universitários públicos, antes acessíveis apenas para uma expressiva maioria branca de classe média alta. Na charge, um dos personagens diz que o sistema de cotas apenas serve para gerar desigualdade, enquanto na fala do outro personagem, que concorda, percebe-se a polissemia atribuída à palavra desigualdade. Para este personagem, o ambiente em que eles se encontram está sim desigual, mas é porque agora existem mais pessoas diferentes convivendo nele. Da mesma forma, consonantemente com a charge, as universidades hoje, devido à política de cotas, estão mais “desiguais”, mas isso não é ruim. Em 2021, por exemplo, a Universidade de São Paulo (USP), teve a maioria de seus estudantes ingressantes sendo provenientes de escola pública, o que representa um marco histórico.

Mas por mais que o cenário dentro das universidades esteja mudando, a realidade dos novos ingressantes ainda é árdua e o abismo entre os que tem mais e os que tem menos ainda é gritante. No caso da USP, ao ampliar o quadro geral de estudantes da instituição nota-se que menos de um terço do total de alunos é preto, pardo ou indígena. O que é claramente inaceitável, uma vez que pretos e pardos representam a maioria numérica da população brasileira. Então por que e como eles são a minoria nas universidades? Essa realidade, que estende-se para as outras universidades brasileiras, é produto da história do Brasil, que foi construída subjugando negros escravizados e indígenas e que culminou hoje na desigualdade racial que afeta todas as áreas da sociedade. Por exemplo, os negros são 75% entre os mais pobres, e os brancos 70% entre os mais ricos (de acordo com os dados da quarta edição da plataforma Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil). Dois em cada três detentos são negros (dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020). E por aí vai. São três séculos de escravidão e menos de 150 anos de abolição que deixaram marcas profundas e inapagáveis do Brasil: um “borrão” em seu “manto”, em alusão ao poeta Castro Alves, o “Poeta dos Escravos”, no poema Navio Negreiro.

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

 Tanto horror perante os céus?!

 Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas

 De teu manto este borrão?...

Astros! noites! Tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!”


No ano de 2022, está prevista a revisão na lei de cotas, que ocorrerá em um cenário político complicado no país, uma vez que o presidente da república, Jair Bolsonaro, nega que o racismo estrutural exista no Brasil. Além disso, 2022 representa um ano eleitoral, em que a polarização política já existente tende a se exacerbar ainda mais. Nessa situação especial, um debate sobre cotas que deveria ser técnico e racional, corre o risco de tornar-se apenas uma bandeira política e entrar em um ambiente de conflito e confronto, como afirma o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente. E é nesse momento que o título do texto “As pessoas preferem acreditar naquilo que elas preferem que se seja verdade ”, de Francis Bacon, aparece nessa discussão. Em sua obra, “ Novum Organum”, o empirista Francis Bacon fala sobre os “ídolos da mente humana”, que seriam falsas percepções do mundo. E especificamente tratando-se dos “ídolos da caverna”, Bacon faz uma alusão à Alegoria da Caverna de Platão e diz que esses ídolos estão ligados a formação do indivíduo, sejam eles construídos por meio da religião, da cultura, ou por outros aspectos. Dessa forma, fazendo um paralelo com o Brasil atual, é confortável para a minoria numérica, porém dominante, a elite que frequenta os espaços universitários, ser contrária a política de cotas, pois assim é possível manter a sua hegemonia nos mais diversos espaços sociais e manter também, toda a estrutura social e econômica vigente no país, que é extremamente desigual. Além disso, como antes mencionado, é preciso que o debate acerca das cotas seja técnico e racional e aí é preciso evocar René Descartes, o racionalista que tinha dentre as suas ideias a noção de que a ciência deveria servir para o bem geral dos homens e que a razão deveria advir de um método, que tem como primeira regra a evidência, que significa nunca aceitar como verdadeiro algo que se pode duvidar. E de forma conclusiva, novamente traçando um paralelo com a realidade, não é possível acreditar que negros, pardos e indígenas sejam minorias não só na universidade, como também em lugares de destaque da sociedade, porque não se esforçaram suficientemente, como algumas pessoas defendem ao falar da meritocracia.

 Laura de Melo Ruas, direito matutino.

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