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segunda-feira, 28 de junho de 2021

A COR DA RAZÃO: A POLÍTICA DE COTAS NO BRASIL ENTRE EXPERIÊNCIAS SOCIAIS E RACIONALIDADES EM DISPUTA

 Dentro de um contexto histórico brasileiro de viés racista, a revisão da Lei de Cotas em 2022 abrange um longo debate entre a continuidade e o fim dessa política social. A partir de uma perspectiva temporal, a construção da sociedade preconceituosa esteve pautada desde a Constituição de 1824 que não reconhecia o país como Estado escravocrata, até a proibição do levantamento das condições étnico-raciais dos pretos durante a Ditadura militar, no século passado. Ambas as situações expõem a formação de um racismo sistêmico difícil de ser superado, mesmo com a manutenção da Lei em questão ou com uma análise simplista de igualdade racial apenas no plano das ideias.

A priori, insta analisar que a Lei de Cotas exerce um papel fulcral na concretização de um pensamento que visa reduzir a disparidade racial no Brasil. O próprio Movimento Social de Negros na década de 70 alegava que não há um prazo de execução das políticas públicas, visto que a eficiência destas será alcançada com a mudança do panorama discriminatório na prática. Nesse sentido, é válido estabelecer uma relação entre esta ideia e a dialética desenvolvida por René Descartes na obra “Discurso do método”, em 1637. Segundo o filósofo, o homem desenvolve o “bom senso”, ou seja, a capacidade de se atingir um conhecimento correto e verdadeiro, a partir da empiria. Analogamente, este saber ideal vem sendo buscado na luta étnica brasileira, desde a positivação da Lei de Cotas em 2012. Durante esses quase 10 anos, pesquisas realizadas pelo Inep concluíram um aumento de 39% da inserção de pretos, pardos e indígenas, vindos de escola pública, no ensino superior. Dessa forma, o discernimento cartesiano prova, neste caso, que a presença multiétnica no ambiente universitário está ainda longe do ideal; porém no caminho correto, na medida em que as experiências da última década resultaram em algumas mudanças perceptivas no ambiente universitário.

A posteriori, deve-se ressaltar a visão geral que está por trás da simples manutenção da Lei de Cotas. A extensão desta política pública não deve ser vista como mera ferramenta pontual que solucionará todos os problemas sociais de discriminação que ultrapassam o ambiente estudantil. Com isso, torna-se mister a distinção entre as ideias de antecipações da mente (pré-noções do senso comum) e interpretações da natureza, discutidas por Francis Bacon em seu livro “Novo Organum”. De acordo com o filósofo, as relações entre homem e mundo, também conhecidas como os “ídolos da caverna” turvam a possibilidade de um conhecimento seguro, uma vez que o meio social regulamenta certas situações corriqueiras no indivíduo. Dessa maneira, tomando-se como partida o desenvolvimento de uma sociedade histórica já vivenciada com a escravização, o colonialismo e o apartheid, o senso comum está acostumado com o racismo sistêmico que impede a interpretação individual do meio discriminatório em que está inserido ou mantém intencionalmente esta supremacia sobre grupos marginalizados. Essas realidades podem ser interpretadas na própria ocupação dos negros nas universidades, no mercado de trabalho e na aquisição das melhores oportunidades da sociedade.

Infere-se, portanto, que a manutenção da Lei de Cotas em 2022 é fundamental para a concretização das ideias de igualdade racial com a inserção dos negros no ensino superior, que já é mais perceptível; porém ainda não ideal. Ademais, a interpretação individual do meio em que está inserido é primordial para a redução de um pensamento do senso comum de continuidade do racismo sistêmico, implantado desde a formação da sociedade brasileira. Com isso, a intenção é de superar uma barreira histórica de preconceito ininterrupto, tão bem alegado no pensamento da historiadora Lilia Schwarcz a qual afirma que “o nosso presente está cheio de passado”.


GABRIEL DRUMOND REGO - DIREITO MATUTINO, PRIMEIRO SEMESTRE.


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