Na obra Discurso do Método, Descartes desenvolve a ideia de um racionalismo cientifico baseado na experiência de longa durabilidade e profunda averiguação. Contudo, devido a breve duração da vida ou a falta de experimentações necessárias, torna-se imprescindível que as descobertas dos cientistas sejam acessíveis e compartilhadas ao público a fim de que aquilo que tinha sido iniciado possa ser terminado. Assim, “somando as vidas e os trabalhos de muitos, fôssemos, todos juntos, muito mais longe do que poderia ir cada um em particular”. Imersos nessa lógica de Descartes, é notável a importância de um trabalho coletivo ao decorrer do tempo para que se possa alcançar um racionalismo cientifico mais completo e atrelado a realidade social. Para isso, percebe-se a importância da inserção de indivíduos plurais no ambiente universitário, em outras palavras, revela-se imprescindível o saber compartilhado entre indígenas, negros, mulheres, pobres em espaços de pesquisas e discussão de conhecimentos diversificados, portanto, a universidade não deve representar um símbolo exclusivo elitista e sim uma representação mais democrática e representativa. Abrangendo para uma temática mais contemporânea, as cotas de ingresso de indivíduos marginalizados socialmente nas universidades representam uma tentativa de inclusão e reparo desse descompasso referente a desigualdade social que assola o Brasil.
Mesmo com essa inciativa em relação às cotas iniciadas tardiamente no início do século XX em território brasileiro, é importante a reflexão acerca do descompasso entre a teoria e a prática, ou seja, assim como já abordado por Bacon como uma crítica a filosofia grega, a sabedoria muitas vezes é farta em palavras, mas estéril de obras. Um mal enraizado na sociedade brasileira é o racismo estrutural que, embora seja combatido a passos lentos por meio de cotas raciais, continua sendo um fenômeno extremamente intrínseco nas relações sociais. A exemplo desse racismo institucionalizado, pode-se citar um fenômeno elucidado pelo professor Dagoberto José Fosenca na IX Jornada de Direito referente as prisões de inocentes com perfis característicos de indivíduos que são jovens, negros e pobres (“83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil são negros”- Fantástico fevereiro de 2021). Portanto, nota-se uma dificuldade derivada de um processo histórico de que os negros consigam atingir uma igualdade teórica (em leis) e praticável (em comportamentos) em relação aos brancos, por isso, as cotas permissivas aos jovens negros terem a oportunidade de ascenderem na vida por meio de uma educação qualitativa torna-se ainda mais preponderante e imprescindível.
Em última análise, verifica-se que o racionalismo cientifico desenvolvido com ênfase na universidade não deveria ser restrito a uma parcela etilizada de um país que se intitula como democrática, ou seja, não há cor para a razão. Ademais, assim como defendido por Descartes, a produção do conhecimento dentro dos institutos de ensino deve representar uma produção de saberes compartilhados com e para o público, o que implica na inclusão de indivíduos marginalizados historicamente. Por fim, essas cotas raciais representam passos ligeiros, porém experiências sociais inestimáveis para a praticidade da importância teórica de se combater o racismo estrutural.
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