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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Inconsciente. Inconsequente. Real.



                Em sua obra “A divisão do trabalho social”, Émile Durkheim fala sobre os tipos de relações sociais em cada sociedade. Assim, baseado no conceito de que a solidariedade com o todo é a base para que a sociedade funcione, divide as relações sociais em dois grupos: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Solidariedade mecânica é aquela em que, para ser coesa, a sociedade responde a uma forma transcendental, um impulso externo, influenciada pela cultura e até mesmo pela religião, sem o uso de preceitos racionais. Na solidariedade orgânica, por sua vez, a coesão da sociedade se dá pelo cumprimento do papel individual de cada integrante social, que dependem uns dos outros. Porém, ainda não conseguimos visualizar uma separação total entre as duas solidariedades, na prática.
No contexto pré-moderno de Durkheim ainda havia uma predominância da solidariedade mecânica, baseada principalmente nos dogmas religiosos. Mas podemos dizer que hoje em dia, em nossa sociedade pós-moderna, ainda não houve uma completa superação de uma única solidariedade, e sim que ambas coexistem. Isso se deu, principalmente pelo fato de que a ciência até hoje não for capaz de superar os dogmas religiosos por ainda não explicar totalmente as dúvidas existenciais do homem. Assim, a presente discussão é mais uma fração da dialética cultura/religião X razão.
De forma mais profunda, percebemos que o Direito se envolve no debate entre as solidariedades tanto pelo fato de que uma das suas principais fontes é a tradição, o costume, quanto pelo fato de que, principalmente no século XX, começou a ser discutido como possível ciência, e, portanto, exigiu certa racionalização. Assim, quando o Direito se aplica de forma mais racional, mas diferente dos costumes, acaba por ser ainda mais taxado, erroneamente por vezes, de ineficiente – como se já não bastasse receber tal “fama” pela lentidão dos processos e pela corrupção de alguns profissionais, - o que faz com que as pessoas tentem fazer justiça com as próprias mãos, utilizando uma ideia da solidariedade mecânica.
Utilizando como exemplo o Direito Civil, as recentes conquistas do Direito Homoafetivo, quanto à legalização do casamento de casais homossexuais, após a já recente legalização da União Estável, apesar de estarem em processo de aceitação racional, ainda é considerado por muitos – e não só pessoas da grande massa, mas também várias com certa instrução que foram criadas sob conceitos preconceituosos, em uma sociedade que tenta padronizar o correto - como uma afronta aos bons costumes, ao projeto de Deus ou até mesmo à procriação humana. Ainda avançando no assunto, outro fato do qual podemos esperar grande polêmica, atualmente, é a união conjugal entre três pessoas, feita pela primeira vez por um cartório na cidade de Tupã, no interior de São Paulo: racionalmente, a lei não protege o trio; e, a partir daí, temos duas análises opostas, uma que coloca o documento como necessário de fato, na realidade atual, e outra que o coloca como inválido por não condizer com os bons costumes.
Porém, é no Direito Penal que a discussão de Durkheim se torna mais visível. Na solidariedade mecânica, a pena, na mais clássica ideia de ‘olho por olho, dente por dente’, era a retirada do indivíduo (a “peça estragada”) da sociedade, e impedir que ela voltasse ao convívio para não cometer novamente atos que comprometessem a organização social. Já na solidariedade orgânica, como todos têm um papel a ser desenvolvido, o indivíduo deve ser retirado da sociedade para receber a correção, e ser restituído à sociedade (como um “conserto da peça estragada”), pelo menos na teoria – na prática, sabemos que não é isso que acontece, porque o recluso não sofre o processo de recuperação, vive em condições precárias e não consegue ser incluído novamente na sociedade. E é nesse mesmo contexto que a grande maioria da sociedade não consegue aceitar que o preso tenha condições dignas de vida, e vê os direitos humanos, por exemplo, de forma extremamente pejorativa.
                Enfim, vemos que nossa sociedade, que se autodetermina tão racional – e, com correspondência, tão orgânica-, ainda não é capaz de aceitar diferenças ou mesmo respeitar o direito à vida de todos os indivíduos – e não seria esse um conceito também religioso, em sua essência, mas que se perdeu diante da sociedade mais antiga!? Levamos conosco ideias de padronização moral com as quais fomos educados que, muitas vezes, se sobrepõem ao nosso racionalismo até de forma inconsciente. E inconsequente. Mas, real.

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