No
ano de 1947, Monteiro Lobato publicou Zé Brasil, texto responsável
por acender à época as discussões envolvendo a questão agrária no país. O
protagonista - homônimo ao título da obra - traz em sua miséria as marcas
estruturais do campo, embebidas em injustiças e impasses. Ao afrontar a
oligarquia fundiária brasileira, trazendo ideais como a reforma agrária e a
divisão da produção, Zé Brasil pôde estimular a luta política. Fora da ficção,
e décadas após, a problemática urge como nunca, sendo tema de debates e
processos, além de análises profundas.
O agravo
de instrumento n° 70003434388, interposto frente o Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2001, versa sobre a revisão de uma
decisão que negou o pedido de liminar de reintegração de posse aos requerentes
- esses que tiveram sua fazenda invadida e ocupada por integrantes do MST
(Movimento Sem Terra). O Acórdão decidiu pelo improvimento do recurso, sendo
dois votos favoráveis a tal decisão e um contrário. Os votos favoráveis
sustentaram-se no cumprimento do preceito constitucional da função social da
terra - não demonstrada através da Declaração de Propriedade Própria, única
prova legal capaz de autorizar a imediata reintegração. Dessa forma, bem como
pontuou o ilustríssimo desembargador Mário José Gomes Pereira - revisor do agravo
- é inadmissível que, violando um preceito constitucional, o latifúndio receba
da justiça, proteção.
Através
de sua obra O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir
velhos conceitos, desafiar o cânone, a socióloga Sara Araújo traz diversas
ideias amplamente aplicáveis na análise do caso, bem como da problemática
envolta no mesmo. A autora vê a ciência moderna como parâmetro da sociedade, e
desse modo, enxerga no direito o objeto pelo qual se da a submissão dos
indivíduos de acordo com sua ótica. Ademais, para a socióloga, a linguagem
jurídica moderna, em conjunto com ideais intrínsecos da ciência moderna, como a
racionalidade, justiça e objetividade, legitima o modelo capitalista colonial,
resultando em um cenário mercantilista, que impõe ordenamentos compatíveis e
propícios a tal conjuntura, descartando e desprezando culturas e organizações
alheias, não adeptas ao clássico modelo de produtividade capitalista. Assim, as
formulações jurídicas não modernas tornam-se - nesse contexto - irrelevantes.
Dessa maneira, mesmo que no caso analisado o resultado tenha fugido da
normalidade, as questões agrárias opostas a tendência latifundiária
exportadora, que zelem pelo cumprimento da função social da terra bem como
pelo bem-estar da sociedade são combatidas no âmbito político e jurídico. Como
resultado, indivíduos que assim como o Zé Brasil, sonham em ter seu pedaço de
terra, e caso tivessem um sítio ''fazia uma casa boa, plantava árvores de fruta, e uma horta e
até um jardinzinho''*, acabam privados de tal desejo.
*LOBATO, José Bento Monteiro. Zé Brasil. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1947.
Luan Mendes Menegao - 1° ano Direito Matutino
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