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domingo, 1 de setembro de 2019

A Questão agrária no âmbito jurídico-político

No ano de 1947, Monteiro Lobato publicou Zé Brasil, texto responsável por acender à época as discussões envolvendo a questão agrária no país. O protagonista - homônimo ao título da obra - traz em sua miséria as marcas estruturais do campo, embebidas em injustiças e impasses. Ao afrontar a oligarquia fundiária brasileira, trazendo ideais como a reforma agrária e a divisão da produção, Zé Brasil pôde estimular a luta política. Fora da ficção, e décadas após, a problemática urge como nunca, sendo tema de debates e processos, além de análises profundas.
O agravo de instrumento n° 70003434388, interposto frente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2001, versa sobre a revisão de uma decisão que negou o pedido de liminar de reintegração de posse aos requerentes - esses que tiveram sua fazenda invadida e ocupada por integrantes do MST (Movimento Sem Terra). O Acórdão decidiu pelo improvimento do recurso, sendo dois votos favoráveis a tal decisão e um contrário. Os votos favoráveis sustentaram-se no cumprimento do preceito constitucional da função social da terra - não demonstrada através da Declaração de Propriedade Própria, única prova legal capaz de autorizar a imediata reintegração. Dessa forma, bem como pontuou o ilustríssimo desembargador Mário José Gomes Pereira - revisor do agravo - é inadmissível que, violando um preceito constitucional, o latifúndio receba da justiça, proteção.
Através de sua obra O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone, a socióloga Sara Araújo traz diversas ideias amplamente aplicáveis na análise do caso, bem como da problemática envolta no mesmo. A autora vê a ciência moderna como parâmetro da sociedade, e desse modo, enxerga no direito o objeto pelo qual se da a submissão dos indivíduos de acordo com sua ótica. Ademais, para a socióloga, a linguagem jurídica moderna, em conjunto com ideais intrínsecos da ciência moderna, como a racionalidade, justiça e objetividade, legitima o modelo capitalista colonial, resultando em um cenário mercantilista, que impõe ordenamentos compatíveis e propícios a tal conjuntura, descartando e desprezando culturas e organizações alheias, não adeptas ao clássico modelo de produtividade capitalista. Assim, as formulações jurídicas não modernas tornam-se - nesse contexto - irrelevantes. 
Dessa maneira, mesmo que no caso analisado o resultado tenha fugido da normalidade, as questões agrárias opostas a tendência latifundiária exportadora, que zelem pelo cumprimento da função social da terra bem como pelo bem-estar da sociedade são combatidas no âmbito político e jurídico. Como resultado, indivíduos que assim como o Zé Brasil, sonham em ter seu pedaço de terra, e caso tivessem um sítio ''fazia uma casa boa, plantava árvores de fruta, e uma horta e até um jardinzinho''*, acabam privados de tal desejo.

*LOBATO, José Bento Monteiro. Zé Brasil. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1947.

Luan Mendes Menegao - 1° ano Direito Matutino

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