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domingo, 1 de setembro de 2019

Pontes que constroem o direito


O Brasil como um país plural que abriga diversas realidades ainda se encontra em abismos. Nesta perspectiva, percebe-se a grande distância que indivíduos integrantes do movimento sem-terra enfrentam frente a grandes proprietários de terra, que desde situações históricas detinham e detém grande poder na sociedade, seja em recursos, vivências e até mesmo na justiça. Desse modo, podemos relacionar essa situação com o que Sara Araújo, em “A configuração epistêmica do campo jurídico”, específica como diferenças abissais, ou seja, o mundo separado entre dois mundos, linhas e principalmente realidades, Norte e Sul, esse último caracterizado pela exclusão advinda do poder de extrema influência do Norte.

Diante deste quadro, pode-se relacionar a ideologia de Sara com o julgado de 2001, que trata-se de um agravo de instrumento no qual os agravantes pleiteiam a reintegração da posse de terra que, segundo eles, foram invadidas por pessoas integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, já os contrários afirmam que a propriedade não apresentava função social da terra como previa a lei. Dessa forma, o desembargador Mário José, contrário a essa ação, sustenta o argumento da finalidade social da terra, Art. 5, inc. XXIII da Constituição Federal de 88, que também deve ser visualizada não só como um direito fundamental como também um dever fundamental. Assim, ainda sustenta que é informado pelo próprio texto constitucional, que tem a dignidade humana como base, o objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização, como também a redução da desigualdade extremamente presente nesses dois universos que podemos associar de norte e sul.

Em segundo plano, Sara evidência que a linguagem jurídica, associada a neutralidade, universalidade e objetividade, tem a função principal na legitimação do modelo dominante, colonial e capitalista difundindo-se uma denominada ordem natural. Esse padrão presente do lado norte, dotado de poder e dominação, exclui intencionalmente os elementos do lado Sul deixando com que múltiplos saberes jurídicos sejam ocultos e invisibilizados e que não exista espaço para outro conteúdo epistemológico. Neste sentido, o movimento dos sem-terra, inundados da pobreza e da escassez que se encontram, são ignorados e marginalizados por uma ideologia de dominação que sustenta a falsa e ilusória ideia de meritocracia.

Esse paradigma de exclusão pode ser comprovado no voto do desembargador favorável a reintegração da posse de terra, Luís Augusto Coelho Braga, que apoia-se seu posicionamento na proteção da ordem e da paz social, em que os princípios legais e constitucionais vigentes devem ser respeitados ignorando e tornando irrelevante toda a luta de um movimento social com os ideais de “a lei é para todos” e “oportunidades são iguais para todos”. Todavia, o desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior quebra essa monocultura que tanto o direito se espelha, uma vez que para ele o juiz como interprete da norma jurídica deve dar vida concreta ao princípio abstrato adequando-o a cada fato concreto e buscando novos rumos não se satisfazendo da interpretação jurídica tradicional.

Em suma, o abismo de realidades ainda se torna presente quando o direito menospreza e esquece que exitem diversos tipos de desigualdades no meio social e que não devem ser negligenciadas. Além disso, não se deve negar ou desprezar o global, deve-se tecer teias, construir pontes para que esses dois universos aprendam e agreguem a ecologia de saberes, e assim, através das aprendizagens recíprocas, amplia-se as possibilidades políticas. Contudo, se o círculo jurídico ainda persistir ignorando e tornando pessoas e valores invisíveis, o direito continuará a ser um instrumento de legitimação para a dominação e mantedor de um único saber possível. 

Ana Laura Albano – 1° Direito (noturno)

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