O Brasil como um país plural que abriga
diversas realidades ainda se encontra em abismos. Nesta perspectiva,
percebe-se a grande distância que indivíduos integrantes do
movimento sem-terra enfrentam frente a grandes proprietários de
terra, que desde situações históricas detinham e detém grande
poder na sociedade, seja em recursos, vivências e até mesmo na
justiça. Desse modo, podemos relacionar essa situação com o que
Sara Araújo, em “A configuração epistêmica do campo
jurídico”, específica
como diferenças abissais, ou seja, o mundo separado entre dois
mundos, linhas e principalmente realidades, Norte e Sul, esse último
caracterizado pela exclusão advinda do poder de extrema influência
do Norte.
Diante deste quadro, pode-se relacionar a
ideologia de Sara com o julgado de 2001, que
trata-se de um agravo de instrumento no qual os agravantes pleiteiam
a reintegração da posse de terra que, segundo eles, foram invadidas
por pessoas integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, já
os contrários afirmam que a propriedade não apresentava função
social da terra como previa a lei.
Dessa forma, o desembargador Mário José, contrário
a essa ação, sustenta
o argumento da finalidade social da terra, Art. 5, inc. XXIII da
Constituição Federal de 88, que também deve ser visualizada não
só como um direito fundamental como também um dever fundamental.
Assim, ainda sustenta que é
informado pelo próprio texto constitucional, que tem a dignidade
humana como base, o objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização, como também a redução da
desigualdade extremamente presente nesses dois universos que podemos
associar de norte e sul.
Em
segundo plano, Sara evidência que a linguagem jurídica, associada a
neutralidade, universalidade e objetividade, tem a função principal
na legitimação do modelo
dominante, colonial e capitalista difundindo-se uma denominada ordem
natural. Esse padrão presente do lado norte, dotado de poder e
dominação, exclui intencionalmente os elementos do lado Sul
deixando com que múltiplos saberes jurídicos sejam ocultos e
invisibilizados e que não exista
espaço para outro conteúdo epistemológico. Neste
sentido, o movimento dos
sem-terra, inundados da pobreza e da escassez que se encontram, são
ignorados e marginalizados por uma ideologia de dominação que
sustenta a falsa e ilusória ideia de meritocracia.
Esse
paradigma de exclusão pode ser comprovado no voto do desembargador
favorável a reintegração da posse de terra, Luís Augusto Coelho
Braga, que apoia-se seu posicionamento na
proteção da ordem e da paz social, em que os princípios legais e
constitucionais vigentes devem ser respeitados ignorando e tornando
irrelevante toda a luta de um
movimento social com os ideais de
“a lei é para todos” e
“oportunidades são iguais para
todos”. Todavia,
o desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior quebra essa
monocultura que tanto o direito se espelha, uma vez que para ele o
juiz como interprete da norma jurídica deve dar vida concreta ao
princípio abstrato adequando-o a cada fato concreto e buscando novos
rumos não se satisfazendo da interpretação jurídica tradicional.
Em suma, o
abismo de realidades ainda se torna presente quando o direito
menospreza e esquece que exitem diversos tipos de desigualdades no
meio social e que não devem ser negligenciadas. Além disso, não
se deve negar ou desprezar o global, deve-se
tecer teias, construir pontes para que esses dois universos aprendam
e agreguem a
ecologia de saberes, e
assim, através das aprendizagens
recíprocas, amplia-se as possibilidades
políticas. Contudo, se o círculo jurídico
ainda persistir
ignorando e tornando pessoas e valores invisíveis, o
direito continuará a ser um instrumento de legitimação para a
dominação e mantedor de um único saber possível.
Ana
Laura Albano – 1° Direito (noturno)
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