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domingo, 1 de setembro de 2019

A necessidade da ecologia jurídica

Em seu artigo, Sara Araújo trata das raízes do direito contemporâneo que, embora pregue por um pluralismo jurídico, continua apenas reproduzindo o discurso colonial e capitalista de sempre. O direito ocidental (Norte) é continuamente colocado como superior, em detrimento dos sistemas jurídicos dos países menos desenvolvidos (Sul), cujo direito não é apenas tido como diferente, mas como inferior, menos digno de nota. Assim, a marginalização do direito do Sul leva à monocultura do saber, onde apenas pontos específicos são priorizados na visão jurídica, com aquilo que difere da concepção eurocêntrica sendo rebaixado e inviabilizado. Trata-se de uma legitimação da exclusão de tudo que difere da concepção colonialista. Na visão da autora seria necessária, portanto, a implementação de uma ecologia jurídica, que contrasta diretamente com o conceito de monocultura do poder. A ecologia jurídica seria uma forma de pluralismo jurídico, todavia mais ampla e inclusiva, que daria voz e poder a sistemas jurídicos antes tidos como inferiores e silenciados, que não teriam nada a dizer.
Dessa forma, pode-se relacionar a situação do direito do Sul com a questão do movimento MST no Brasil, e especificamente com o caso de reintegração de posse julgado pelo Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul. O caso, onde as terras são concedidas ao movimento sem-terra, pode ser concebido como um grande marco e uma grande vitória para a própria concepção de direito do Sul, visto que são priorizados pontos como igualdade social e reforma agrária, sendo minimizada a concepção capitalista e colonialista de direito. É digno de nota o artigo 5º da Constituição Federal, inciso XXII, que diz que é garantido o direito de propriedade, desde que esta atenda sua função social; e também o artigo 186, que estabelece os critérios para que tal função social seja atendida, como aproveitamento racional e adequado, exploração que forneça o bem estar dos proprietários e trabalhadores, etc. Assim, foi comprovada que a função social da terra não foi alcançada em sua totalidade no julgado analisado, e a posse de terra foi consequentemente transferida para o movimento. A função social, ao ser garantida no artigo 5º, torna-se um direito fundamental, sendo ainda mais legitimadora da visão do MST. O veredito mostra, portanto, uma mudança brusca na visão colonialista e capitalista que sempre imperou no direito ocidental. Mostra uma vitória da concepção sulista de ordenamento jurídico, onde se atentam também a questões sociais, e não somente à garantia da propriedade privada a qualquer custo.
Por fim, pode-se citar Boaventura Souza Santos, em seu livro "Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes", no qual o autor ressalta a necessidade da criação de um sistema jurídico que não se influencie por pressões externas e que priorize a voz de questões comumente silenciadas, como as sociais, sexuais, ambientais, cognitivas, etc. A primazia do centralismo jurídico e da monocultura do saber está longe de terminar. A ecologia de saberes, no entanto, está cada vez mais difundida e ampliada, sendo possível o vislumbre de um futuro minimante mais justo e menos silenciador. Por fim, cito Sara Araújo: "é o tempo de aprender a libertar-nos do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre, necessariamente, distorcida. É tem, enfim, de deixarmos de ser o que não somos.” É passada a hora da construção de um direito que reflita a pluralidade humana, social e econômica brasileira, que diminua a influência eurocêntrica, em favor da integração de todos no sistema jurídico, não somente das elites.
Letícia Killer Tomazela
Direito Noturno

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