O
Agravo de instrumento Nº 70003434388 interposto
no ano de 2001, na Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado em
Passo Fundo teve como agravantes Plínio Formighieri e sua esposa Valeria Dreyer
Formighieri. O agravo contraria a decisão judicial postulada de acordo com o art.928 do CPC, de indeferimento da ação de reintegração de posse contra Loivo
Dal Agnoll e outros- todos indivíduos pertencentes ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que teriam ocupado uma propriedade rural
de Plínio e sua esposa sob a alegação de que a terra seria devoluta. Os
proprietários afirmam que no dia 15 de outubro do ano de 2001 sofreram invasão
em suas terras por sujeitos integrantes do MST; alegam ainda que a propriedade
seria produtiva não cabendo contestação acerca do cumprimento da função social da terra, questão que diversas
vezes foi abordada no decorrer do processo.
A
decisão do acordão após discutidos os autos foi de negar o requerimento, os
Desembargadores por maioria decidiram pela negação do provimento; os
Desembargadores que formaram a câmara são o relator Carlos Rafael Dos Santos Junior, Mário José Gomes Pereira, cujos votos
foram pelo indeferimento do agravo e Luís Augusto Coelho Braga votando a favor
do agravo. Na argumentação estabelecida foram utilizados fundamentos jurídicos,
sociais e filosóficos, isso demonstra a abrangência que o tema alcança
tornando-se possível analisá-lo sob uma perspectiva para além do direito.
Desta maneira, em vista de melhor perceber a
situação do julgado e o que cada aplicador do direito nele defendeu se faz
primordial estabelecer uma conexão com as teorias de Boaventura de Souza Santos
e da socióloga Sara Araújo. Esses autores trazem conceitos como Epistemologia do Sul e do
Norte, pluralismo jurídico, ecologia do saber entre mais conceitos , e ainda defendem
que o direito possa ser utilizado como um mecanismo de emancipação social.
Sara Araújo em seu livro “ O primado do direito e as
exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” observa que
o direito moderno se constituiu como uma ferramenta de expansão e reprodução do
colonialismo. O direito como matéria monolítica promoveu e vem promovendo
exclusões abissais que se refletem tanto no campo epistemológico quanto na
questão jurídica. Em relação a epistemologia ela se divide entre as epistemologias
do Norte e do Sul, em que o norte representa o conhecimento,e consequentemente,
um direito hegemônico que engendram uma razão metonímica que desconsidera juridicamente
sujeitos singulares produzindo sua inexistência; enquanto no sul concentra-se a
desigualdade a heterogeneidade. Trazendo tais concepções para a situação do
agravo nota-se na opinião do Des. Luís
Augusto Correio Braga e também na perspectiva da sociedade que
movimentos sociais em específico o MST ocupam o espaço do sul. Na relação
jurídica e social é atribuída maior relevância aos interesses dos proprietários
de grandes territórios de terra em detrimento dos direitos e garantias dos
trabalhadores sem terra.
Perante a tal histórico a socióloga defende que as
Epistemologias do Sul devem se apropriar do conceito de pluralismo jurídico em
prol de fundar uma ecologia de justiças e direitos que consiga englobar “
universos jurídicos e políticos excluídos e classificados como inferiores,
primitivos, locais, residuais ou improdutivos.” (ARAÚJO, PG 3). Seguindo essa
lógica, apesar de estar disposto no artigo 5º, incisos XXII e XXIII a garantia do direito a propriedade e o
desígnio de que a propriedade deve atender suas função social, na prática observa que essa medida, que poderia diminuir a discrepância das condições de
exclusão entre sul e norte, não se concretiza ou pelo menos não se valida por
iniciativa do Estado. Além disso, a reforma agrária e a desapropriação de
terras que não cumprem com a devida função é assegurada constitucionalmente (artigo
mostrado abaixo) sendo previsto que a União possui a competência pra efetuá-la;
no entanto, a norma não se mostra eficaz haja vista que nunca houve no Brasil
um projeto que realmente pretendeu diminuir as concentrações de terra. A lei que
disserta a esse respeito:
|
Art. 1º Esta lei regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.
2º A
propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é
passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos
constitucionais.
§ 1º
Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma
agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.(...)
A alternativa
que resta para o MST, como Sul Epistemológico, é buscar por meios próprios
ocupar essas terras improdutivas e acionar a justiça pra legitimar a apropriação,
pois em uma sociedade capitalista eurocêntrica as demandas sociais e direitos
fundamentais, como o direito a propriedade e moradia, não são atendidos sem luta e
mobilização.
Citando um trecho da socióloga, “A monocultura da
produtividade capitalista vive numa relação simbiótica com a monocultura do
saber”. Dessa maneira, toda espécie de produção que não se enquadre na
capitalista, ou seja que não vise acima de tudo o lucro, passa a ser invisibilizada
e desvalorizada. Esse processo ocorre com os Movimentos Sociais que lutam pelo
direito à terra e pelo direito de nela trabalhar. As pessoas que compõe o MST buscam se assentar em terras
improdutivas e não produzir a partir de uma lógica latifundiária do agronegócio
e da exportação. A produção desses movimentos é mais voltada para a técnica de
agricultura familiar, com a implementação de sistemas agroflorestais (SAF) e
hortifrutigranjeiros; são plantações que abastecem o mercado interno de
alimentos e não pretendem trabalhar com monoculturas de exportação. Deste modo,
justamente por não utilizarem da terra apenas como uma ferramenta monolítica do
capital tais grupos são considerados -citando o DES. Luís Augusto Coelho
Braga- prejudiciais para a população
e economia. Alias são postos em uma condição
de marginalidade encarados como criminosos e terroristas.
Depreende-se da análise realizada que a decisão
proferida, contra a reintegração de posse, pela Décima Nona Câmara Cível foi uma
demonstração de que existe a possibilidade do direito ser um aparato
emancipatório. A conquista judicial alcançada pelo MST demonstra que os
desembargadores que votaram contra o agravo de instrumento conseguiram enxergar
o conflito de uma forma ecológica e não se prenderam apenas a máxima
positivista de que a lei é igual para todos.
Lívia Alves Aguiar 1º ano, Direito matutino
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