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domingo, 1 de setembro de 2019

O MST e a articulação do direito com fim emancipatório


O Agravo de instrumento Nº 70003434388 interposto no ano de 2001, na Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado em Passo Fundo teve como agravantes Plínio Formighieri e sua esposa Valeria Dreyer Formighieri. O agravo contraria a decisão judicial  postulada de acordo com o art.928 do CPC, de indeferimento da ação de reintegração de posse contra Loivo Dal Agnoll e outros- todos indivíduos pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que teriam ocupado uma propriedade rural de Plínio e sua esposa sob a alegação de que a terra seria devoluta. Os proprietários afirmam que no dia 15 de outubro do ano de 2001 sofreram invasão em suas terras por sujeitos integrantes do MST; alegam ainda que a propriedade seria produtiva não cabendo contestação acerca do cumprimento da  função social da terra, questão que diversas vezes foi abordada no decorrer do processo.
A decisão do acordão após discutidos os autos foi de negar o requerimento, os Desembargadores por maioria decidiram pela negação do provimento; os Desembargadores que formaram a câmara são o relator Carlos Rafael Dos Santos Junior, Mário José Gomes Pereira, cujos votos foram pelo indeferimento do agravo e Luís Augusto Coelho Braga votando a favor do agravo. Na argumentação estabelecida foram utilizados fundamentos jurídicos, sociais e filosóficos, isso demonstra a abrangência que o tema alcança tornando-se possível analisá-lo sob uma perspectiva para além do direito.
Desta maneira, em vista de melhor perceber a situação do julgado e o que cada aplicador do direito nele defendeu se faz primordial estabelecer uma conexão com as teorias de Boaventura de Souza Santos e da socióloga Sara Araújo. Esses autores  trazem  conceitos como Epistemologia do Sul e do Norte, pluralismo jurídico, ecologia do saber entre mais conceitos , e ainda defendem que o direito possa ser utilizado como um mecanismo de emancipação social.
Sara Araújo em seu livro “ O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” observa que o direito moderno se constituiu como uma ferramenta de expansão e reprodução do colonialismo. O direito como matéria monolítica promoveu e vem promovendo exclusões abissais que se refletem tanto no campo epistemológico quanto na questão jurídica. Em relação a epistemologia ela se divide entre as epistemologias do Norte e do Sul, em que o norte representa o conhecimento,e consequentemente, um direito hegemônico que engendram uma razão metonímica que desconsidera juridicamente sujeitos singulares produzindo sua inexistência; enquanto no sul concentra-se a desigualdade a heterogeneidade. Trazendo tais concepções para a situação do agravo nota-se na opinião do Des. Luís  Augusto Correio Braga e também na perspectiva da sociedade que movimentos sociais em específico o MST ocupam o espaço do sul. Na relação jurídica e social é atribuída maior relevância aos interesses dos proprietários de grandes territórios de terra em detrimento dos direitos e garantias dos trabalhadores sem terra.
Perante a tal histórico a socióloga defende que as Epistemologias do Sul devem se apropriar do conceito de pluralismo jurídico em prol de fundar uma ecologia de justiças e direitos que consiga englobar “ universos jurídicos e políticos excluídos e classificados como inferiores, primitivos, locais, residuais ou improdutivos.” (ARAÚJO, PG 3). Seguindo essa lógica, apesar de estar disposto no artigo 5º, incisos XXII e XXIII  a garantia do direito a propriedade e o desígnio de que a propriedade deve atender suas função social, na prática observa que essa medida, que poderia diminuir a discrepância das condições de exclusão entre sul e norte, não se concretiza ou pelo menos não se valida por iniciativa do Estado. Além disso, a reforma agrária e a desapropriação de terras que não cumprem com a devida função é assegurada constitucionalmente (artigo mostrado abaixo) sendo previsto que a União possui a competência pra efetuá-la; no entanto, a norma não se mostra eficaz haja vista que nunca houve no Brasil um projeto que realmente pretendeu diminuir as concentrações de terra. A lei que disserta a esse respeito:

                                                   LEI Nº 8.629, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993.



  Art. 1º Esta lei regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.
 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.             
§ 1º Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.(...)


 A alternativa que resta para o MST, como Sul Epistemológico, é buscar por meios próprios ocupar essas terras improdutivas e acionar a justiça pra legitimar a apropriação, pois em uma sociedade capitalista eurocêntrica as demandas sociais e direitos fundamentais, como o direito a propriedade e moradia, não são atendidos sem luta e mobilização.
Citando um trecho da socióloga, “A monocultura da produtividade capitalista vive numa relação simbiótica com a monocultura do saber”. Dessa maneira, toda espécie de produção que não se enquadre na capitalista, ou seja que não vise acima de tudo o lucro, passa a ser invisibilizada e desvalorizada. Esse processo ocorre com os Movimentos Sociais que lutam pelo direito à terra e pelo direito de nela trabalhar. As pessoas  que compõe o MST buscam se assentar em terras improdutivas e não produzir a partir de uma lógica latifundiária do agronegócio e da exportação. A produção desses movimentos é mais voltada para a técnica de agricultura familiar, com a implementação de sistemas agroflorestais (SAF) e hortifrutigranjeiros; são plantações que abastecem o mercado interno de alimentos e não pretendem trabalhar com monoculturas de exportação. Deste modo, justamente por não utilizarem da terra apenas como uma ferramenta monolítica do capital tais grupos são considerados -citando o DES. Luís Augusto Coelho Braga- prejudiciais para a população e  economia. Alias são postos em uma condição de marginalidade encarados como criminosos e terroristas.
Depreende-se da análise realizada que a decisão proferida, contra a reintegração de posse, pela Décima Nona Câmara Cível foi uma demonstração de que existe a possibilidade do direito ser um aparato emancipatório. A conquista judicial alcançada pelo MST demonstra que os desembargadores que votaram contra o agravo de instrumento conseguiram enxergar o conflito de uma forma ecológica e não se prenderam apenas a máxima positivista de que a lei é igual para todos.

Lívia Alves Aguiar 1º ano, Direito matutino


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