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domingo, 1 de setembro de 2019

Um dos muitos fatores trazidos das Revoluções Burguesas do século XVIII é ideia contumaz de que há isonomia entre os indivíduos protegida por lei. Esta ideia é reforçada ainda pelas Constituições, assim como a Constituição Brasileira de 1988 que em seu artigo quinto assegura a igualdade. Porém, referido artigo, vulgarmente, não é “lido por inteiro”. Entre outros direitos, a igualdade protegida é a igualdade perante a lei, uma igualdade meramente formal. Se o egrégio “libertéegalitéfraternité” tinha suas limitações, o direito à igualdade, mesmo em um Estado Democrático de Direito, também possui as suas. 
Por consequência, as desigualdades entre a população brasileira são notáveis com um simples olhar sobre as grandes cidades, porém, estas não se limitam as áreas urbanas. Até 2016, segundo a ONG Oxfam Brasil, quarenta e cinco por cento da área rural do país se concentrava em menos de um por cento das propriedades. Pelo Texto Constitucional, todas as propriedades devem operar de acordo com sua função social. O conceito sobre o que seria esta função social é abordado pelo artigo 186, também da Constituição, que estabelece como cumprimento da função social da propriedade rural quando esta atende a critérios como o aproveitamento racional, a utilização correta dos recursos naturais, de forma contribuinte a preservação do meio ambiente e bem-estar do proprietário e dos trabalhadores. Diante o exposto, percebe se que a incumbência do direito de manter, seja a ordem, da visão pragmática, ou até a “justiça”, da visão otimista, se restringe, preponderantemente, ao que convém, já que mesmo existindo normas a respeito, a improdutividade, o extrativismo exacerbado e a dependência de mão de obra análoga à escravidão são aspectos pertinentes aos latifúndios do país.    
O modo de pensar o direito integralmente importado do opulento norte geográfico do planeta, notoriamente, seria transferido com suas disfunções. Em uma efêmera análise historial, não foram silenciadas somente as tradições morais e religiosas dos colonizados, todas as percepções de produtividade, ordem e justiça se transpuseram, de modo deletério, aos moldes das definições dos colonizadores, que, aos poucos, foram, por sua vez, moldadas ao utilitarismo do sistema capitalista. Estas considerações também são feitas por Sara Araújo em seu artigo “O primado do direito e as exclusões abissais”, onde consagra que o direito moderno eurocêntrico atinge a condição de mecanismo para a reprodução do colonialismo. Mesmo com o passar dos séculos, todo fato continuará a desaguar na modernidade se sua essência instigadora permanecer empacada nas percepções. Mesmo encerrada a influência direta dos países europeus, o “orientalismo jurídico”, embrulhado por discursos de benefício à liberdade, progresso e até mesmo, provedor de direitos humanos, reproduz, na verdade, uma “colonialidade jurídica”. 
A igualdade presente nas normas ainda é a mesma igualdade proposta pela burguesia europeia do século XVIII, a falsa noção do “todos somos iguais” é convidada quando há conveniência, como por exemplo, na fala do desembargador Luís Augusto Coelho Braga durante o agravo de instrumento nº 70003434388 da Décima Nona Câmara Cível de Passo Fundo. O agravo de instrumento referia se a uma reintegração de posse de terras da Fazenda Primavera ocupadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e para o referido desembargador, se aquela propriedade não estivesse realmente cumprindo com sua função social, a desapropriação era um afazer da União, através do devido processo legal e não, simplesmente, pela ocupação das famílias do MST. Por fim, o agravo de instrumento relativo a Fazenda Primavera contrariou os ideais e própria tendência jurídica do colonialismo, e decidiu favorável as famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. De fato, “todos somos iguais” perante a lei, mas não é só de leis escritas que vive o corpo social.  
O direito importado no norte ainda é para o norte, no sentido de que é para o desenvolvido, ou seja, o direito é para o norte, para as elites retentoras de meios para mobilizá-lo. Do outro lada, há o sul, o colonizado e subjugado, o improdutivo, arcaico, que não se desenvolveu, características que configuram, pelo olhar utilitarista do norte, as populações marginalizadas, como as populações periféricas e rurais, como o caso do MST. A produção capitalista e o “colonialismo jurídico” silenciaram e ainda silenciam, sempre que possível, o sul. Quando este tem seus raros momentos de fala, resta ainda a questão da formalidade, a exemplo, a dificuldade destas famílias do MST, sem terras e sem rendas, para a mobilização do judiciário só é quebrada através da conjugação em um movimento e, posteriormente, da ocupação.  



Amanda Cristina da Silva. 1º Noturno.  

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