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domingo, 1 de setembro de 2019

A Primazia que Subalterniza e a Ecologia que Emancipa



   O panorama global contemporâneo nos revela a preponderância epistêmica residente no âmago da produção científica moderna. A disseminação ativa, direta e indireta de um rigor técnico e metodológico específico, unilateral, concebe à ciência moderna um véu pretensamente universal e hegemônico, pelo qual assume a cruzada virtuosa ilusória, em nome das verdades. O sustentáculo que embasa essa jornada epistemológica deriva, majoritariamente, das correntes positivistas e liberais, traçando, no alto da última instância das pesquisas, fundamentos norteados pelo pragmatismo, pela produtividade e, enfim, o lucro. Esse caráter, à luz da globalização, converte-se na necessidade expansionista destes 3 aspectos-chave da produção do conhecimento ocidental. O processo difusivo, no entanto, assume facetas distintas, seja sob nuances autoritárias, como a subalternização de culturas nativas, seja pela simples exaltação midiática.
   Nesse ínterim, evoca-se a ideia responsável por caracterizar esse cenário: “O Primado da Ciência Moderna”. Primazia que, historicamente, tratou-se de uma verdadeira guerra pela obtenção do trono epistemológico, que dita e legitima as esferas qualitativa e verídica da produção gnóstica (saber). Ademais, a supremacia de um único modelo supostamente capaz de compreender a realidade fática resulta em sua dissipação para as demais áreas do conhecimento. Consequentemente, a ciência jurídica assimila tais premissas, assentando-se – inevitavelmente – sobre dispositivos próprios da ideologia propagada pelo capital. Desse modo, a sistematização do saber transpõe o âmbito cognitivo e assume a incumbência de sistematizar as condutas em meio ao corpo social, os indivíduos sujeitos pelo Direito. Relativamente a última questão, Sara Araújo – socióloga – elabora um artigo, denominado “O Primado do Direito e as Exclusões Abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”.
   A acadêmica, ao dissertar acerca da uniformização eurocêntrica dos princípios que regem a normatividade moderna, independentemente de cultura, etnia e localização, revela a essência determinista que regula as futuras decisões deferidas na magistratura. Essa onipresença do Direito, embasado sobre os pilares desenvolvimentistas ocidentais, edifica as fronteiras que delineiam o horizonte de possibilidades dentro do campo jurídico, promovendo um ponto de inflexão às necessidades concretas do corpo social. Não obstante, é frequentemente reintroduzido como única fonte capaz de suscitar soluções às inúmeras problemáticas do cotidiano. Tal rigidez diante da possibilidade de incutir, no cerne das pautas sociais, uma decisão que – de fato – atenda ao bem-estar coletivo, provém do Habitus jurídico, presente, a princípio, no texto normativo, estendendo-se aos operadores do direito. Não se trata, portanto, do simples rigor tecnicista – pertencente à prática jurídica, mas de um objetivo claro: a manutenção do status quo.
   Com base na perspectiva abordada, Sara Araújo, a partir dos estudos e ensinamentos de Boaventura de Sousa Santos, ilustra o evidente distanciamento abissal, interposto entre as epistemologias do “Norte e Sul”. Entretanto, mesmo mediante tamanha distinção cultural e socioeconômica, os resquícios da herança jurídica colonialista estabeleceram um empecilho à elaboração de um código normativo correspondente às sociedades do Sul. A perpetuação das influências eurocêntricas nesses ordenamentos jurídicos faz jus à ideia do “juricídio”, que cessa a emergência e proliferação das manifestações normativas plurais.
   Frente ao exposto, torna-se imprescindível a congregação de justiças que não alienem o indivíduo às próprias reivindicações, que parta da organicidade e especificidade de cada povo, ausentando as espécies de “fórmulas gerais” jurídicas, a ideia do “one size fits all”. Todavia, é de suma relevância – ao considerar as influências mútuas projetadas nas relações internacionais – apresentar a proposição de uma metodologia dialética, que desenvolva uma síntese entre as epistemologias provenientes da relação bilateral Norte-Sul. Evidencia-se, nesse sentido, a conceitualização da “Ecologia de direitos e justiças”, que instaura um ordenamento jurídico eclético, aberto à inclusão da pluralidade residente no íntimo das lutas sociais. A partir da garantia referente à concretude e eficácia de tal sistema, Boaventura estabelece o que, simbólica e efetivamente, configura-se como a “2º Independência” dos países submetidos à hegemonia da lógica jurídica moderna.
   Constata-se, entretanto, que a evolução do pluralismo epistêmico obteve êxito na esfera prática. A título de exemplo, o julgado relativo à liminar indeferida pelo magistrado, que, em síntese, nega a reintegração de pequena área invadida por membros do MST ao latifundiário – dono da Fazenda Primavera, ilustra a decadência do Direito que preza, primordialmente, pelo resguardo da propriedade privada. Embora de aparência simplória, a decisão proferida em benefício do bem-estar comum expõe o afrontamento direto com a primazia da fonte epistemológica nortista, visto que se rompe com uma das 5 “monoculturas” – responsáveis pela sustentação dos ditames do Direito moderno, sendo essa a naturalização das diferenças existentes no âmbito socioeconômico e político. Aderir à causa social expressa no julgado é, fundamentalmente, priorizar a redução das desigualdades remanescentes e, em consequência, empoderar a luta por uma justiça plural, por um direito que acolha a diversidade jurídica e cultural. Nota-se que o diálogo com as correntes do Direito moderno não são rompidas integralmente, uma vez que os respaldos legais para se deferir a decisão de desapropriação consistem, primariamente, na improdutividade da terra.
   Por fim, elaborar um campo jurídico em que o poder simbólico emana das diferentes vozes que ecoam no corpo social, é incitar a promoção do “Princípio da Hierarquia Axiológica”, de Alexandre Pasqualini, alterando-se a concepção da interpretação sistemática das normas e introjetar a primordialidade de se tornar próspera a teoria da Construção (Carlos Maximiliano), alicerce da exegese crítica do texto normativo.
Caio Laprano ( 1º Ano -  Noturno ) 

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