O
panorama global contemporâneo nos revela a preponderância
epistêmica residente no âmago da produção científica moderna. A
disseminação ativa, direta e indireta de um rigor técnico e
metodológico específico, unilateral, concebe à ciência moderna um
véu pretensamente universal e hegemônico, pelo qual assume a
cruzada virtuosa ilusória, em nome das verdades. O sustentáculo que embasa
essa jornada epistemológica deriva, majoritariamente, das correntes
positivistas e liberais, traçando, no alto da última instância das
pesquisas, fundamentos norteados pelo pragmatismo, pela produtividade
e, enfim, o lucro. Esse caráter, à luz da globalização,
converte-se na necessidade expansionista destes 3 aspectos-chave da
produção do conhecimento ocidental. O processo difusivo, no
entanto, assume facetas distintas, seja sob nuances autoritárias,
como a subalternização de culturas nativas, seja pela simples
exaltação midiática.
Nesse
ínterim, evoca-se a ideia responsável por caracterizar esse
cenário: “O Primado da Ciência Moderna”. Primazia que,
historicamente, tratou-se de uma verdadeira guerra pela obtenção do
trono epistemológico, que dita e legitima as esferas qualitativa e
verídica da produção gnóstica (saber). Ademais, a supremacia de
um único modelo supostamente capaz de compreender a realidade fática
resulta em sua dissipação para as demais áreas do conhecimento.
Consequentemente, a ciência jurídica assimila tais premissas,
assentando-se – inevitavelmente – sobre dispositivos próprios da
ideologia propagada pelo capital. Desse modo, a sistematização do
saber transpõe o âmbito cognitivo e assume a incumbência de
sistematizar as condutas em meio ao corpo social, os indivíduos
sujeitos pelo Direito. Relativamente a última questão, Sara Araújo
– socióloga – elabora um artigo, denominado “O Primado do
Direito e as Exclusões Abissais: reconstruir velhos conceitos,
desafiar o cânone”.
A
acadêmica, ao dissertar acerca da uniformização eurocêntrica dos
princípios que regem a normatividade moderna, independentemente de
cultura, etnia e localização, revela a essência determinista que
regula as futuras decisões deferidas na magistratura. Essa
onipresença do Direito, embasado sobre os pilares
desenvolvimentistas ocidentais, edifica as fronteiras que delineiam o
horizonte de possibilidades dentro do campo jurídico, promovendo um
ponto de inflexão às necessidades concretas do corpo social. Não
obstante, é frequentemente reintroduzido como única fonte capaz de
suscitar soluções às inúmeras problemáticas do cotidiano. Tal
rigidez diante da possibilidade de incutir, no cerne das pautas
sociais, uma decisão que – de fato – atenda ao bem-estar
coletivo, provém do Habitus jurídico,
presente, a princípio, no texto normativo, estendendo-se aos
operadores do direito. Não se trata, portanto, do simples rigor
tecnicista – pertencente à prática jurídica, mas de um objetivo
claro: a manutenção do status quo.
Com
base na perspectiva abordada, Sara Araújo, a partir dos estudos e
ensinamentos de Boaventura de Sousa Santos, ilustra o evidente
distanciamento abissal, interposto entre as epistemologias do “Norte
e Sul”. Entretanto, mesmo mediante tamanha distinção cultural e
socioeconômica, os
resquícios da herança jurídica colonialista estabeleceram um
empecilho à elaboração de um código normativo correspondente às
sociedades do Sul. A perpetuação das influências eurocêntricas
nesses ordenamentos jurídicos faz jus à ideia do “juricídio”,
que cessa a emergência e proliferação das manifestações
normativas plurais.
Frente
ao exposto, torna-se imprescindível a congregação de justiças que
não alienem o indivíduo às próprias reivindicações, que parta
da organicidade e especificidade de cada povo, ausentando as espécies
de “fórmulas gerais” jurídicas, a ideia do “one size fits
all”. Todavia, é de suma relevância
– ao considerar as
influências mútuas projetadas nas relações internacionais
– apresentar a proposição
de uma metodologia dialética, que desenvolva uma síntese entre as
epistemologias provenientes da relação bilateral Norte-Sul.
Evidencia-se, nesse sentido, a conceitualização da “Ecologia de
direitos e justiças”, que instaura um ordenamento jurídico
eclético, aberto à inclusão da pluralidade residente no íntimo
das lutas sociais. A partir da garantia
referente à concretude e eficácia de tal sistema, Boaventura
estabelece o que, simbólica e efetivamente, configura-se como a “2º
Independência” dos países submetidos à hegemonia da lógica
jurídica moderna.
Constata-se,
entretanto, que a evolução do pluralismo epistêmico obteve êxito
na esfera prática. A título de exemplo, o julgado relativo à
liminar indeferida pelo magistrado, que, em síntese, nega a
reintegração de pequena área invadida por membros do MST ao
latifundiário – dono da Fazenda Primavera, ilustra a decadência
do Direito que preza, primordialmente, pelo resguardo da propriedade
privada. Embora de aparência
simplória, a decisão proferida em benefício do bem-estar comum
expõe o afrontamento direto com a primazia da fonte epistemológica
nortista, visto que se rompe com uma das 5 “monoculturas” –
responsáveis pela sustentação dos ditames do Direito moderno,
sendo essa a naturalização das diferenças existentes no âmbito
socioeconômico e político. Aderir à causa social expressa no
julgado é, fundamentalmente, priorizar a redução das desigualdades
remanescentes e, em consequência, empoderar a luta por uma justiça
plural, por um direito que acolha
a diversidade jurídica e cultural. Nota-se que o diálogo com as
correntes do Direito moderno não são rompidas integralmente, uma
vez que os respaldos legais para se deferir a decisão de
desapropriação consistem, primariamente, na improdutividade da
terra.
Por
fim, elaborar um campo jurídico em que o poder simbólico emana das
diferentes vozes que ecoam no corpo social, é incitar a promoção do
“Princípio da Hierarquia Axiológica”, de Alexandre Pasqualini,
alterando-se a concepção da interpretação sistemática das normas
e introjetar a
primordialidade de se tornar próspera a teoria da Construção
(Carlos Maximiliano), alicerce
da exegese crítica do texto normativo.
Caio Laprano ( 1º Ano - Noturno )
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