Norte e Sul na corte
A questão fundiária brasileira encontra-se no epicentro das heranças sociais desiguais regularizadas e legitimadas ao longo do tempo pelo direito. Isso porque, sendo extremamente grave e importante social e economicamente, a posse e o uso da terra confundiram-se através de uma lógica patrimonialista do passado, em que os membros do poder político figuravam também na elite econômica exportadora, de maneira que se repetisse a cultura exterior mercadológica quanto à terra. O que pode ser identificado ao conceito de monocultura de saberes do norte, de Sara Araújo, porque visando a exportação e as regras de produtividade do comércio global perseguiu-se uma normatização que repetisse tais ideais, desconsiderando as necessidades sociais subjetivas do Brasil.
Só a partir de 1988, com a “Constituição Cidadã”, subscreveu-se nas leis máximas a intenção de perseguir o bem social localmente, seja através da função social das propriedades seja por medidas restitutivas de equidade, como a reforma agrária.Dentro desse aspecto, o julgado sobre a desapropriação de terra possui a posição expressiva do desembargador Mário José Gomes Pereira que se posiciona pela inserção da função social da propriedade na órbita instrumental de todas as normas infraconstitucionais, legitimando a concepção local de que propriedade passaria do status “de ser para o de fazer”.
Essa ecologia de direito, propugnada por Sara e apoiada pelo Desembargador Mário José, que iria contra a monocultura de saberes propagadas pelo norte foi, no entanto, contraposta pelo Desembargador Luís Augusto Coelho Braga, que reproduzindo a razão metonímica pregada pelo mercado global, que cultiva uma rígida ideia de segurança da propriedade privada, afirmou a necessidade rígida do devido processo legal, afirmando a atividade do Movimento dos Sem Terra como marginal e ilegítima, pois quem deveria realizar tal expropriação seria o Estado através do que consta na lei complementar 76 de 1993.
Observamos, então, no espaço do possível jurídico, um conflito entre um jurista que apoia as organizações comunitárias que lutam pela realização do que está inscrito na Constituição Cidadã de 1988, dando voz aos chamados cidadãos invisíveis, de Sara Araújo, que formam a sociedade civil incivil, cuja representatividade e voz são baixíssimas, e um jurista reproduzindo a razão metonímica do norte ao trazer conceitos universais mal concebidos para as características desiguais nacionais, forçando-a através das estruturas de poder e legitimidade que a fortalece.
Por conseguinte, observando o resultado favorável às famílias assentadas na decisão desse julgado, vê-se com esperança a possibilidade de ascensão de uma legalidade cosmopolita, que considere as diferenças nacionais e regionais de maneira a buscar o desenvolvimento social específico de cada país, não considerando-se um mais avançado ou atrasado.
Guilherme Cunha Soares 1° ano Direito matutino
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