Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 1 de setembro de 2019

Estabelecendo pontes, ainda que com certas limitações


Em seu texto “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, Sara Araújo trata sobre a existência de uma natureza etnocêntrica nos discursos sobre direitos. O direito para a autora é um duplo da ciência, ou seja, ele também se espelha nas cinco monoculturas de razão metonímica e classifica as formulações jurídicas não modernas como irrelevantes, locais, improdutivas, inferiores e primitivas. Sara defende um argumento de que o um pluralismo jurídico pode ser usado como instrumento para a descolonização, se esse for reformulado enquanto ecologia jurídica. Através dessas importantes constatações tem-se um exemplo no julgado do TJRS sobre agravo de instrumento relativo a Fazenda primavera, onde não há uma ecologia jurídica, no entanto, o tribunal soube perceber e reconhecer um direito exercido por um grupo minoritário, em conformidade com princípios constitucionais.
No julgado o que se discute é um agravo de instrumento, os agravantes questionam a decisão judicial que indeferiu a liminar nos autos da reintegração de posse, afirmando que não seria o caso de considerar a função social da terra, uma vez que eles apresentaram os requisitos previstos no CPC. A decisão tomada pelo tribunal foi de negação do agravo, por dois votos contrários que se basearam principalmente na função social da terra, prevista no artigo 5º inciso XXIII, como condição para a posse da terra. Em um dos votos contrários, o do desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior, ele defende uma interpretação teleológica da lei, ou seja, é preciso descobrir e revelar o direito para a situação dada. O outro voto a favor, do desembargador Mário José gomes Pereira, argumenta que se vive uma fase de predomínio social sobre o individual, que impõe limitações ao direito de propriedade que são ditadas pelo interesse público e princípios de justiça e do bem comum. Esses votos reconhecem a legalidade das ações dos membros do movimento MST, que têm fundamento em princípios constitucionais, fazendo assim uma ponte entre o direito marginalizado e o direito moderno, apesar de as regras ainda serem ditadas por esse último levando em consideração as ideias de Sara Araújo.
No voto contrário, o do desembargador Luís Augusto Coelho Braga, é defendida uma ideia que prioriza a epistemologia do norte de forma absoluta, questiona ele o modo de agir do MST, que segundo ele não tem previsão pelo código de processo civil, portanto, deve ter nulidade absoluta.  O desembargador exalta o pensamento de Rousseau e defende suas ideias como princípios universais que devem ser assegurados no Estado de direito. Esse ponto de vista, sob a perspectiva de Sara Araújo é uma imposição de cima para baixo das epistemologias do Norte, negando qualquer possibilidade de diálogo com povos do sul.
Conclui-se dessa forma que as epistemologias do Norte ainda têm uma forte influência mesmo em um país do Sul como o Brasil, sendo que essa decisão judicial foi tomada utilizando-se as regras ditadas pelo direito moderno. Apesar disso também se observa nesse julgado que os desembargadores em sua maioria não optaram pela simples exclusão do MST, como um grupo que age em desacordo com o Código de Processo Civil, mas reconheceram suas ações por se alinharem a princípios constitucionais. Há nesse julgado a construção de uma ponte, que permite um diálogo entre o direito dessas pessoas marginalizadas e o direito moderno, sendo este capaz de reconhecer aqueles dentro de seus próprios parâmetros.
  
Gustavo Dias Polini - Direito Noturno


Nenhum comentário:

Postar um comentário