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domingo, 1 de setembro de 2019

[̲̅$̲̅(̲̅ ͡° ͜ʖ ͡°̲̅)̲̅$̲̅] A propriedade como o Norte da sociedade [̲̅$̲̅(̲̅ ͡° ͜ʖ ͡°̲̅)̲̅$̲̅]


          O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou um recurso que tratava da reintegração de posse da Fazenda Primavera, onde o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) fez um assentamento, alegando que a mesma não estava cumprindo a sua devida função social, enquanto os proprietários, requerentes do recurso, alegavam que estavam cumprindo-a. A socióloga Sara Araújo, no seu texto “O Primado do Direito e as Exclusões Abissais”, aborda ideias e conceitos que podem ser de grande auxilio para uma melhor compreensão do caso, suas causas e suas eventuais consequências.

          Destarte, um dos conceitos centrais que a autora expõe no texto é o pensamento abissal, que consiste em separar a sociedade a partir de uma linha abissal, onde um dos lados, o chamado “norte”, mais evoluído e importante, fonte dos principais conhecimentos e referência de civilização e modernidade, enquanto o outro lado, o “sul”, é considera primitivo, menos civilizado e fonte de conhecimentos irrelevantes, cabendo a ele apenas aprender o que o norte tem a ensinar. Conceitos e ações fora dos objetivos de obtenção de lucro do capitalismo são enquadradas dentro do “sul” e rotuladas como inferiores e erradas.

          Isso gera uma razão metonímica, que institui um modelo de Estado, de sociedade, de costumes e de Direito a ser seguido universalmente e aplicado independente do contexto em que cada população se encontra e de suas condições históricas. Instituições internacionais têm se empenhado em espalhar o direito praticado pelo Norte, tratando os demais ordenamentos como se não fossem importantes ou enriquecedores.

          O fato do assentamento do MST não utilizar um modelo de produção agrícola voltado aos moldes do capitalismo neoliberal faz com que as epistemologias do norte classifiquem-no como menos importante, invisível e atrasado, já que está em uma relação de assimetria com aquilo que é praticado no norte e contrário à lógica da escala global, caracterizando uma produção da inexistência.

          Segunda a autora, o direito moderno tem assumido um papel de perpetuar um modelo de sociedade eurocêntrica e baseada em conceitos mercadológicos, mantendo uma herança colonialista de submissão aos moldes econômicos e culturais impostos pela metrópole do norte e fortalecendo suas epistemologias. Mesmo o Brasil e outros países da América Latina tendo obtido suas respectivas independências em meados do século XIX, vários dos costumes e modelos de sociedade e economia dessa época se mantém até os dias de hoje.

          O Desembargador Luís Augusto Coelho Braga, quando deu seu voto favorável ao pedido do recurso de reintegração de posse do terreno, defendeu a manutenção dessa herança, dando prioridade ao grande latifúndio de produção capitalista agroexportadora em detrimento de centenas de famílias carentes e sem-terra, que fariam um uso melhor daquela terra.

          Não é correto que o latifúndio receba a mesma proteção jurídica que uma propriedade produtiva, pois afronta ao equilíbrio social e às populações mais pobres. Alguns dos fundamentos da Republica são a erradicação da pobreza e da marginalização, assim como a redução das desigualdades sociais, e o latifúndio contraria tais princípios.
          O filósofo chinês Confúcio, em uma de suas máximas, dizia que “não corrigir as falhas é o mesmo que comete novos erros”, e Sara Araújo conceitua como uma das maneiras de corrigir esse modelo de perpetuação de opressões como sendo um enfoque maior no pluralismo jurídico, dentro de uma ecologia de direitos. A ecologia de direitos propõe uma abrangência maior para as diferentes formas de direito, retirando a visão evolucionista em relação ao eixo sul, instituindo um direito provincial e baseado nos costumes e modelos de produção local, como a agricultura de base familiar usada por movimentos como o MST, não mais em modelos padronizados e globalizados.

          Uma manifestação de uma ecologia de direitos é o fato dos Desembargadores contrários ao recurso, ou seja, favoráveis à permanência do assentamento na propriedade, terem analisado a realidade local e o contexto em que ela estava inserida. Eles argumentaram que os antigos proprietários não estavam respeitando a função social da propriedade, reconhecida pela Constituição Cidadã de 1988, que institui que o proprietário não deve utilizar de sua propriedade para fins contrários aos interesses da sociedade, como deixar a terra sem uso. A articulação do direito baseado na realidade local é uma das maneiras que a socióloga propõe para consolidar uma epistemologia própria do sul.

          Ademais, o Desembargador que deu seu voto favorável ao recurso alegou que o MST não tinha legitimidade para realizar as ações que foram realizadas. Entretanto, a partir dos costumes e do contexto local proposto pela ecologia de direitos, há de se analisar que o direito moderno condiciona a legitimação e a reintegração de posse ao uso da função social da propriedade. 

          O desembargador Mário José Gomes Pereira coloca que o direito à propriedade não está mais limitado à breve esfera absoluta da vontade do proprietário, estando também limitada pelo interesse público e pelo bem comum. A lei nº8.628/93 institui o exame e investigação de produtividade rural. Considerando que os proprietários não conseguiram provar a real utilização desta terra e não deixaram fiscais do INCRA adentrarem para realizar tal pericia, não se pode considerar que eles respeitaram esse dever fundamental previstos na Constituição, pois não apresentaram provas suficientes para defender os pontos que foram levantados por eles no processo.

          A articulação de uma forte ecologia de direitos é vital para o fortalecimento de uma epistemologia do Sul que se liberte dos padrões e conceitos impostos pelo Norte séculos atrás, mas que se mantém até os dias de hoje. A partir disso, haverá um ordenamento jurídico que irá de encontro com as reais necessidades da população mais carente do campo e irá melhorar as condições de vida para a população brasileira de maneira geral.

João Lucas Albuquerque Vieira
Unesp - Campus Franca
Direito Matutino


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