A terra
A discussão
acerca do julgado do MST remete a fatores muito mais intrínsecos na sociedade. O
documento é um agravo de instrumento que retoma o discurso sobre a função social
da terra e os interesses do agronegócio. Em verdade, a maior parte do mercado
interno é abastecido por agricultura familiar, cabendo aos grandes
latifundiários a produção de commodities que fazem o agronegócio ser tão
lucrativo.
Sara Araújo separava
a epistemologia do sul, os invisíveis e sem amparo do estado, da epistemologia
do norte, que seriam os legitimados pelo direito, trazendo a monocultura do
saber jurídico e o pluralismo jurídico. Aqui, remetamos o MST ao desamparo do
estado e a sua intensa luta pela ocupação de terras contra os business do agro
(afinal, agro é tec, agro é pop...) que seriam os legitimados pelo direito. A exclusão
da diversidade mostra que não há direito social, sendo este limitado e dentro
da “sociologia dos invisíveis”, a busca de um sistema jurídico que não seja
medíocre.
A razão
metonímica exclui o que é local e põe em seu lugar o que é universal, trazendo
o questionamento do papel do judiciário nesses casos e se há limites para o
pluralismo jurídico. Não é a omissão, mas a demora para que a lei chegue até no
âmbito social.
No voto do
relator, desembargador Carlos Rafael, na parte em que diz “A questão posta
nestes autos, diz com a necessidade, ou não, da investigação acerca do
atendimento da denominada função social
da propriedade, em sede de ações de reintegração de posse, nas quais, segundo o
regramento do Código de Processo Civil, em seus artigos 926 a 933, o debate
haveria de se limitar à questão da posse, esta vista singelamente como a
situação fática de sujeição da coisa ao indivíduo” traz para a discussão o
interesse social do terreno sobrepondo o interesse econômico. Além de, citando
Bourdieu, haver uma historicização da norma, já que os relatores precisaram ir
além do era importo pela lei, no caso o código civil de 19, para dar forma a situação
que ocorria naquele momento.
Em contra
partida, há no texto “Enfim, permitir-se em ação de reintegração de posse a discussão
a respeito da produtividade ou não da terra invadida, por eventual descumprimento
de preceito constitucional (art. 186 CF/88), seria, repito, quebrar a paz
social, pois, as consequências, seriam nefastas à manutenção da ordem pública,
e, a partir de então, todas as invasões de terras tidas como produtivas,
virariam o objeto a ser perseguido pelos “sem””. Essa abertura de precedente é um
fator determinante dentro do direto, visto da epistemologia do sul, parece que
em vez do pluralismo há uma desasegurança jurídica.
Por fim, o
embate permeia fatores como a produtividade – será que tudo que é produzido é
realmente produtivo? - a função social da terra e a legitimação no campo do
direito. Qual é o preço que o estado e as pessoas pagam por situações como
essa? O filme “chão”, que chegou as
telas em 2019, retrata a luta do movimento e a busca pela valorização do que é
local em detrimento do mercado capitalista que visa o lucro acima de tudo- e de
todos.
Maria Júlia Fontes Fávero- matutino
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